Carroças duelam com os carrões

Enfrentar o trânsito da cidade, especialmente na hora do rush, é irritante para qualquer motorista, de carrinho ou de carrão. Imagine para um cavalo, um burrinho ou um jumento engatado a uma carroça, carregando quilos de material e ouvindo buzina por todos os lados. Imagine agora a falta desses animais, e um homem executando a função deles. É assim todos os dias nas ruas de Natal. Um problema que vai além da inconveniência de tráfego, tornando-se questão social e econômica.



Os carroceiros são os que trabalham com veículos de tração animal. Carrinheiros são aqueles que puxam sua própria carroça. Para os dois tipos de trabalhadores, não há lei que regulamente as atividades. Na maioria dos casos essas pessoas não têm outro tipo de sustento familiar, e com o que ganham pagam alimentação e aluguel. Poucos estudam ou sabem ler e escrever.



Os motoristas da Avenida Presidente Quaresma, no Alecrim, demonstraram impaciência e irritação nos minutos que esta reportagem levou para entrevistar João Batista de Lima e Zilma Anselmo da Fonseca, carroceiros do bairro. Por estarem parados no canto da avenida, provocaram certo congestionamento, e receberam buzinadas e palavras de reprovação. ”É assim mesmo, já estamos acostumados. A gente não tem vez na rua, e vai fazendo do jeito que pode”, diz João de Lima. Zilma Fonseca, mulher dele, completa: ”Ninguém respeita, então a gente não pode fazer nada. Se não ajudam, a gente não tem o que fazer”. O casal sustenta três filhos, e ganha em média R$ 6 por dia com a venda de material reciclável ou de entulho. ”A ferragem e o papelão valem R$ 0,10 o quilo”, informam. Nenhum dos dois sabe ler ou escrever.



Para vender jarros de cerâmica, Ricardo Silva dos Santos passa sete horas por dia perambulando com a carroça de burro nos bairros da cidade. Morador de Felipe Camarão, foi encontrado na Vila de Ponta Negra às 11h30, e ainda não havia conseguido nenhuma venda. Sobre o trânsito, ele contou que ”buzinada é demais no pé-do-ouvido”, e que até baterem na carroça já bateram. ”É assim mesmo, fazer o quê?”, questiona o jovem de 20 anos, que estudou até a 6ªsérie do ensino fundamental. ”E só não trabalho mais porque tem que descansar o animal”. Ricardo dos Santos sustenta os pais e um irmão e ganha a única renda da família.



Para ter um controle dessa atividade no município, a Urbana iniciou um cadastro de carroceiros e carrinheiros em toda cidade, e registrou mais de 400 deles. Em atualização desse registro, a administração calcula entre 800 e 900. ”Imaginávamos que eram uns 30 no bairro do Bom Pastor. Quando cadastramos, eram mais de 80. Eles superaram em mais de 100% nossas expectativas, e fizemos a estimativa em cima disso”, diz Josenildo Barbosa de Lira, presidente da Urbana. Para ele, a existência dessa atividade não pode ser cerceada e, portanto, tem que ser regularizada. ”Não tem onde colocar essas pessoas. Essa é uma realidade da qual não podemos fugir. Há que se reconhecer a existência deles e regularizá-los”, opina.



A intenção da companhia de limpeza é orientar os donos de carroças, estipular locais de despejo do material recolhido. ”Pretendemos encaminhar um projeto para a Câmara (Municipal do Natal). Eles terão o lugar de acesso, de trânsito de despejo de materiais, num projeto que chamamos de Coleta Seletiva Alternativa”. Josenildo de Lira completa afirmando que há que se ter um comprometimento social com essa gente, encará-los de frente e aceitar a atividade como ”parte da sociedade”.



Além do cadastro da Urbana, existem diversas associações de bairro que reúnem e cadastram carroceiros, como em Nova Descoberta, Ponta Negra, Jardim Progresso, Felipe Camarão, Planalto, Mãe Luiza, Cidade Satélite, Passo da Pátria e Cidade Nova. O difícil é conseguir contato com elas, já que os presidentes são, em sua maioria, também carroceiros.

Ano da Publicação: 2005
Fonte: www.reciclaveis.com.br
Autor: Rodrigo Imbelloni
Email do Autor: rodrigo@web-resol.org

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