Um em cada cinco municípios brasileiros desrespeita legislação e joga material como luvas, agulhas e catéteres em lixões.
O escândalo da reutilização de lençóis hospitalares em lojas de tecidos no Nordeste pôs em evidência o desrespeito à legislação que trata da destinação correta de resíduos médicos. Segundo a última Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, divulgada ano passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com dados de 2008, uma em cada cinco cidades brasileiras despeja material hospitalar usado sem nenhum tipo de tratamento em lixões e aterros sanitários.
Segundo o IBGE e a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), a estrutura deficiente de tratamento e a falta de fiscalização resultaram no despejo de pelo menos 35 mil toneladas de lixo hospitalar em locais impróprios no ano passado. Um risco para o meio ambiente e para a própria saúde pública.
Dos 4.469 municípios que coletaram ou receberam os resíduos de saúde em 2008, 58% informaram fazer o processamento desse lixo antes do despejo no solo, como prevê a legislação (veja box nesta página). O cenário nacional, mesmo em menor porte, é observado no Paraná. Dos 331 municípios que coletam os resíduos de saúde, um terço (101) disse ao IBGE não possuir qualquer serviço de processamento dos resíduos.
Os números fazem menção não só ao lixo produzido em hospitais, mas também em clínicas particulares, farmácias, postos de saúde, ambulatórios, laboratórios e até funerárias. Somente no Paraná, a Secretaria de Estado de Saúde informa ter registrado 9 mil estabelecimentos que se enquadram como serviços de saúde e, por consequência, produzem resíduo hospitalar.
Transporte
Para especialistas da área, a destinação inadequada desses resíduos se concentra nos municípios de menor porte, que não têm estrutura instalada tanto para tratar o lixo quanto para despejá-los em locais adequados, como aterros controlados ou valas sépticas. “O que falta nas cidades menores é estrutura de tratamento dos resíduos antes da disposição final”, avalia a engenheira ambiental e professora da Universidade Tuiuti do Paraná Geni Portela Radoll. Em alguns casos, o material hospitalar desses municípios é encaminhado para cidades maiores. “Muitos resíduos vêm para grandes centros para serem tratados, o que amplia a possibilidade de contaminação, uma vez que eles são transportados via terrestre”, completa Geni.
Tratamento
A falta de tratamento é um dos principais pontos discutidos em um relatório divulgado neste ano pela Abrelpe. Como a maior parte dos municípios brasileiros coleta e dá destinação final apenas para os resíduos produzidos em unidades públicas de saúde – hospitais de maior porte costumam contratar empresas particulares para fazer o processo –, os dados da associação colocam em xeque justamente o gerenciamento do lixo do serviço público.
“Essa é uma situação grave. Estamos dando chance de retorno de situações de saúde pública que fizemos muito esforço para superar no passado. Não é mais admissível que esses resíduos sejam tratados da forma incorreta”, critica o coordenador de resíduos especiais da Abrelpe, Odair Luiz Segantini.
Despejo de seringas usadas por diabéticos preocupa pesquisadora
Não é somente a destinação do lixo oriundo de unidades de saúde e hospitais que suscita preocupações. Estudo inédito da enfermeira e mestre em saúde pública Silvia Carla da Silva André, da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, ligada à Universidade de São Paulo (USP), revela que, todos os dias, pelo menos um milhão de seringas podem estar sendo descartadas no lixo comum de residências em todo o país. A estimativa leva em conta o número de pessoas com diabete que são usuárias de insulina e a aplicam em casa – o chamado autocuidado.
O descuido na hora de jogar o material fora traz riscos à saúde e ao meio ambiente, já que o lixo doméstico inevitavelmente vai para lixões e aterros, onde o acesso não é controlado. “O descarte inadequado dessas seringas pode causar acidentes, como a transmissão de hepatite B. Não é porque esse lixo foi gerado em casa, e não no hospital, que ele vai estar livre de contaminação”, alerta Silvia.
Para a especialista, apesar de a legislação ser objetiva quanto à responsabilidade dos serviços e profissionais de saúde em destinar o lixo hospitalar corretamente, há uma lacuna no que se refere aos cuidados a serem seguidos pelos próprios pacientes em casa.
Medicamentos
A falta de controle sobre resíduos domiciliares, segundo profissionais, também esconde outra realidade tão preocupante quanto o gerenciamento inadequado do lixo hospitalar. Além das seringas, a professora do curso de Engenharia Ambiental da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Patrícia Sottoriva, chama a atenção para o descarte indevido de medicamentos que apresentam risco à saúde pública – principalmente produtos hormonais, antirretrovirais e imunossupressores. “Há algumas iniciativas de recolhimento desses remédios, mas faltam campanhas de esclarecimento sobre essa questão”, avalia.
No caso das seringas, a recomendação é que elas sejam acondicionadas em um material plástico resistente (como garrafas de amaciante) e levadas para as unidades de saúde. Já os medicamentos, mesmo os com prazo de validade vencida, devem ser encaminhados para as farmácias onde foram comprados.
Ano da Publicação: | 2014 |
Fonte: | http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1185880 |
Link/URL: | http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1185880 |
Autor: | Rodrigo Imbelloni |
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