A Melodia do Lixo

Em suas oficinas, o grupo Ciclo Natural mostra que há música em metais, plásticos e até materiais orgânicos



É a partir de materiais descartados pela sociedade que o Ciclo Natural inventou uma maneira bem criativa de levar a discussão da ecologia para palcos e escolas do Rio de Janeiro. Reaproveitar o lixo do dia a dia na construção de instrumentos musicais é a tônica do grupo em seus shows e oficinas _ momento em que a criação dos instrumentos também vira método de aprendizagem para crianças.



Apoiado no tripé “educação _ arte _ ecologia”, o grupo de músicos-educadores viu na confecção de instrumentos uma rica vivência artesanal. Nela, tanto o manuseio de materiais quanto a interação musical entre as crianças, tornam-se ferramentas pedagógicas:



– Pelos conteúdos não específicos da música, a criança aprende uma socialização e desenvolve a coordenação motora. Ela vai compreender que o outro existe, o seu lugar no mundo, a hora de falar mais alto ou mais baixo. Quando você está tocando, você tem que escutar o outro _ diz Ciro Kastrup, integrante do grupo.



O Ciclo Natural surgiu em 2001, a partir de um convite para tocar num evento sobre reciclagem, no Recreio Shopping. Como já pesquisavam instrumentos alternativos, o grupo despertou muita curiosidade e novos convites surgiram; desta vez para um trabalho junto às escolas.



– A gente viu que esse campo de escolas era uma coisa que ninguém fazia. Existiam muitos trabalhos com crianças, mas não a construção de instrumentos _ conta o músico Marco Arruda.



São vários os materiais utilizados. Desde metais e plásticos até orgânicos, como cabaças ou cascas de nozes. De cascas secas de maracujá, por exemplo, se faz um curioso chocalho cujo som mais parece o de aplausos. Para instrumentos de pele, aproveita-se o plástico de luvas de limpeza ou de bolas de aniversário. Uma lata de panetone vira um banjo adaptado, ou melhor, um “lato-banjo”.



– Dá para ser, a princípio, com qualquer material. Mas cada um se presta para um fim. Você não vai querer fazer um som de timbre agudo com materiais porosos. É questão de física. A nota aguda requer um material mais rígido, para vibrar mais rapidamente _ explica Kastrup.



O repertório do Ciclo abraça os gêneros da música brasileira sem perder o clima “orgânico” ou “natural” que o caracteriza. Batizadas por trocadilhos, como Maracatubos, ou temas ecológicos, como Samba Reciclado e Presente à Terra, as músicas foram gravadas em CD distribuído aos participantes das oficinas.

A professora Maria Vitória Ciciletti chamou-os, no começo do ano, para uma oficina às educadoras da creche da Universidade Federal Fluminense. Ela conta que além da criação dos instrumentos, as professoras também estão descobrindo como aproveitar o CD:



– Na última reunião a gente estava falando de como programar a hora do descanso das crianças. E uma delas disse que gosta de usar o CD deles, por causa daqueles sons de natureza. Tem funcionado para acalmar as crianças.



O professor de biologia do colégio Marista São José, Hélio de Albuquerque, também conta com o grupo como complemento na educação. O professor associa o conteúdo de suas aulas com a objetividade das oficinas:



– Você pode aprender as matérias do dia a dia de uma forma prazerosa. Ali você trabalha noções de física, de matemática e, logicamente, de biologia e educação ambiental.



Outro aspecto ressaltado por Hélio é a chance de levar a arte até as comunidades desfavorecidas, impedidas de comprar os instrumentos das lojas. Ele também acredita ser saudável discutir a desigualdade social do Brasil, e sinaliza uma relação entre os temas:



– Você não pode ter um local equilibrado ecologicamente se você tem uma sociedade com diferenças sociais; gente sem escola, sem trabalho, etc.







Antônio Espírito Santo, a maior influência:



À frente do curso Musik Fabrik desde 1995, Antônio Espírito Santo foi talvez a maior figura na formação dos músicos do Ciclo Natural.



O músico iniciou sua pesquisa de instrumentos no final da década de 70, por conta de um projeto de música africana, o Vissungo, quando viu-se obrigado a recriar os instrumentos originais da cultura negra.



Para Espírito Santo, é natural que o artesanato faça uso do material que houver disponível no meio ambiente, não importando qual seja:



– Se no centro urbano o material disponível é o lixo industrial, você vai usá-lo. Na África se faz instrumentos de corda de cabaça, porque a cabaça é o material disponível na floresta.



O Musik Fabrik é um curso de extensão oferecido pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, aos interessados na fabricação de instrumentos musicais e outros “estranhos produtos de som”.



Contato: www.ciclonatural.com.br



E-mail: ciclonatural@ciclonatural.com.br


Ano da Publicação: 2008
Fonte: http://www.recicloteca.org.br/Default.asp?Editoria=3&SubEditoria=10
Autor: Rodrigo Imbelloni
Email do Autor: rodrigo@web-resol.org

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