Catar lixo não é fácil
FREI BETTO
[02/JUN/2001]
Cerca de 1.500 catadores de papel de todo o Brasil estarão reunidos de amanhã a quarta-feira, em Brasília, no seu primeiro congresso nacional. No dia 7, haverá a Marcha Nacional da População de Rua, em busca da conquista de seus direitos.
A iniciativa é do Fórum Nacional de Estudos sobre a População de Rua, em parceria com a Unicef, a CNBB e a Cáritas. Atuante desde 93, o Fórum procura dar visibilidade ao fenômeno social da população de rua, apoiando experiências organizativas e promovendo encontros e seminários nacionais de moradores de rua e catadores de papel.
A luta dos catadores já tem história. Essa gente que vemos na rua, carregando fardos enormes ou puxando carrinhos de mão repletos de papéis, é uma categoria consciente de seus direitos. Cada vez mais organizados em todo o Brasil, os catadores já conseguem romper com os atravessadores, em especial os depósitos que compram material que eles recolhem para revender às indústrias de reciclagem.
Ao quebrar a relação individualizada catador-depósito, os catadores instauram um ciclo de produção, o que lhes exige conhecer e dominar todo o processo de trabalho: da coleta à separação, da prensagem à estocagem, da comercialização ao investimento da renda. Empenham-se também em articular política e tecnicamente a importância da coleta seletiva e da reciclagem, destacando não só sua importância ambiental, mas também as dimensões social, econômica e cultural presente nesse projeto.
Catar lixo não é fácil. A maioria da população ignora o impacto ambiental contido no trabalho de coleta e separação do lixo. Graças aos catadores, mananciais deixam de ser contaminados, produtos tóxicos são isolados, matérias-primas reaproveitadas.
Os catadores desejam não só obter renda propiciada pela coleta seletiva, mas lograr que a reciclagem seja encarada como valor cultural positivo, de importância capital para a preservação do meio ambiente. São estratégias para subverter a identidade negativa do trabalhador da catação, propiciando a sua inclusão social. Não querem ser vistos como mendigos ou rebotalhos sociais.
O objetivo do congresso de Brasília é identificar e articular as experiências regionais e estaduais, de forma a constituir um movimento nacional, que evidencie o catador de papel-reciclador como agente autônomo da limpeza urbana e produtor de matérias-primas recicláveis, e erradicar o trabalho infantil nos lixões. Milhares de crianças que se encontram fora da escola buscam, no lixo, o meio de sobrevivência familiar.
Os catadores estão também interessados em capacitação profissional, cursos e atividades ligadas aos temas cooperativismo, educação ambiental, saúde e segurança no trabalho, gestão de negócios, informática, assuntos jurídicos, bem como acesso à educação formal básica, sobretudo alfabetização. Querem fortalecer e articular parcerias junto ao poder público, de modo a garantir infra-estrutura para coleta, triagem e beneficiamento dos materiais etc.. É um sonho deles que se aprimore a coleta seletiva e que o trabalho que exercem seja facilitado por residências e comércio, pré-selecionando o lixo.
Desejam ser reconhecidos legalmente como categoria profissional, incluídos em programas municipais de coleta seletiva, e obter a criação de linhas de financiamento específicas para cooperativas-associações de catadores e a criação de mecanismos (tributários etc.) que incentivem a indústria nacional da reciclagem.
O ministério do Meio Ambiente acaba de destinar assento para os catadores no Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente). A CNBB espera que, na próxima semana, uma comissão de catadores seja recebida pelo presidente da República e por outras instâncias federais.
Frei Betto é escritor, autor de Alucinado som de tuba, e assessor da Central de Movimentos Populares.
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Ano da Publicação: | 2001 |
Fonte: | Jornal do Brasil-2/6/2001 |
Autor: | Depto.Meio Ambiente da PMSBC |