Cavucando o lixo

Não, não se trata de procurar o santo graal ou a arca que guardaria as tábuas com os 10 Mandamentos – objetos do desejo do professor Henry Jones Jr., que atende pelo apelido de Indiana e é o mais famoso arqueólogo do cinema. Muito menos de tentar encontrar ossos de dinossauros, objetos pré-históricos, múmias ou moedas ancestrais.

Para um pequeno e abnegado grupo de pesquisadores, a palavra arqueologia tem hoje significado mais amplo que o dos dicionários – segundo o Houaiss, por exemplo, é a “ciência que, utilizando processos como coleta e escavação, estuda costumes e culturas dos povos antigos através do material (fósseis, artefatos, monumentos etc.) que restou da vida desses povos”. Com as mesmas técnicas científicas, eles também procuraram desvendar o comportamento de uma comunidade estudando os restos. Só que precisam ter algo a mais: estômago e olfato resistentes para, em vez de buscar relíquias em ruínas ou cavernas, fazer suas descobertas sobre a sociedade atual fuçando latas de lixo ou se embrenhando em grandes aterros.

Esse ramo peculiar da arqueologia, em que o tesouro perdido pode ser um pedaço de plástico ou uma folha de alface, já possui até definição própria em inglês: garbology, junção das palavras garbage (“lixo”) e archeology (“arqueologia”). Desde 1990, o termo passou a constar no Oxford English Dictionary e em seguida foi incluído em outros dicionários. Foi a oficialização de uma especialidade que começou a ser difundida como ciência a partir de 1973, quando o americano William L. Rathje, estudioso da Pré-História e da cultura maia, fundou na Universidade do Arizona o Garbage Project, ou Projeto do Lixo.

“A história de nossa civilização é contada a partir de potes e panelas quebradas. Tudo o que sabemos vem do que os antigos jogavam fora”, costuma dizer Rathje em suas aulas, encurtando a distância entre a arqueologia tradicional e a do lixo.

O arqueólogo conta que uma das inspirações para criar o projeto foi uma entrevista que assistiu na TV, dois anos antes, de um catador de latas da cidade de Kenwood, na Califórnia: “Ele não era simplesmente um gari, mas um cronista do estilo de vida da vizinhança onde trabalhava, preocupado com desperdício e reciclagem”. Inicialmente, Rathje levou os alunos a coletar objetos em latas de lixo domésticas em Tucson, cidade do Arizona onde fica a universidade. Depois de classificar o que era jogado fora, o grupo começou a analisar os hábitos alimentares e de consumo dos americanos.

Entre as informações preciosas compiladas está a de que 15% da comida comprada acabava no lixo. Entrevistas indicaram que esse desperdício era muito maior do que o percebido pelas próprias famílias. Também foi possível concluir que, quanto mais locais de coleta o americano tinha à disposição, maior era o volume de produtos descartados. Ou seja: papelada mofada, brinquedos velhos, aparelhos quebrados, tudo o que está escondido num canto qualquer só vai desentulhar a casa se houver algum lugar próximo onde deixá-lo.

Ainda nas avaliações das sobras domésticas, os “lixólogos” descobriram que, em tempo de escassez de determinado alimento no mercado, ele é comprado em maior quantidade e acaba estragando. Os pesquisadores comprovaram essa tese ainda em 1973, quando faltou carne no mercado americano. Nas latas de lixo, curiosamente, foram encontradas 3 vezes mais peças de carne do que em outras épocas. Ao que parece, com medo de ficar sem seu bifinho, muitos consumidores acabaram comprando muito mais do que seriam capazes de comer.

A partir de 1987, com uma equipe que já contava com estudantes e profissionais de microbiologia, química, engenharia e antropologia, chegou a hora de Rathje enfrentar um desafio maior – e também mais assustador e malcheiroso: mergulhar nos lixões das grandes cidades. Em 12 anos, foram escavadas, separadas, classificadas e analisadas mais de 30 toneladas de dejetos de 15 aterros dos EUA, Canadá e México.

A conclusão de Rathje – apresentada no livro Rubbish: The Archeology of Garbage (“Refugo: A Arqueologia do Lixo”), escrito em parceria com o jornalista Cullen Murphy –, depois de escarafunchar tanta imundície, não parece nada genial: “Nós não necessariamente sabemos muitas coisas que achamos que sabemos”.
Autor: Por Flávia Ribeiro e Fábio Varsano
Revista Superinteressante Edição Verde – 12/2008

Ano da Publicação: 2011
Fonte: Planeta Sustentável
Link/URL: http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/lixo/conteudo_410951.shtml
Autor: Rodrigo Imbelloni
Email do Autor: rodrigo@web-resol.org

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