Coletores de lixo proclamam: não são os “cheirosos”

Eles tiram 460 toneladas de lixo por dia das ruas da cidade. Na maioria das ruas, passam duas ou três vezes por semana. Quatrocentos e sessenta mil quilos de lixo por dia. Agora pense nos saquinhos que você ou alguém de sua casa coloca na lixeira da calçada ou na calçada mesmo, quase todos os dias. Imagine agora uma semana sem o trabalho deles. Agora quinze dias, um mês… com os saquinhos se acumulando, tomando sol e chuva, os restos de comida fermentando, apodrecendo, azedando… Qual seria o odor nas calçadas, nas ruas, na cidade, depois de um mês sem a coleta de lixo domiciliar?

“E nós é que somos chamados de ‘cheirosos’. Este é o xingamento mais comum, a gente nem responde. Mas sabemos muito bem que estamos sendo chamados de fedidos”, reclama Dalci Ferreira Viana, há quase dez anos coletor de lixo da Leão Leão Ambiental, empresa responsável pela coleta domiciliar em Ribeirão Preto. Assim como Dalci, vários outros colegas, apesar de orgulhosos da profissão, têm queixas endereçadas a uma parcela da população que insiste em menosprezá-los. “Que incomoda ser chamado de ‘cheiroso’, no sentido de fedido, incomoda, mas fazer o quê? Responder é pior”, avalia Jean Carlos dos Santos Dourado, coletor há um ano.

De uma forma geral, três queixas são as mais freqüentes. A primeira diz respeito à escolaridade – ou à falta dela. No imaginário popular, “lixeiro” é quem não estudou, não serve para outra ocupação. “Nesse caso, nada mais enganoso. Não há um único coletor analfabeto entre os nossos 96 funcionários”, informa o departamento de imprensa da Leão Leão Ambiental. Com o projeto “Ler e Escrever, Basta Querer”, lançado em 2001, a empresa disponibilizou uma professora especializada em ensino supletivo, no período da tarde. Resultado – todos os coletores possuem ao menos o diploma do ensino fundamental. “Lembro da alegria de um deles contando que já conseguia ler as promoções nos supermercados”, comenta a assessora Kelly Figueiras.

A segunda queixa se refere ao desrespeito de motoristas de carros e motos por ocasião da rotina de trabalho – os coletores cruzam o leito carroçável centenas de vezes a cada jornada de trabalho, e é comum, quando o caminhão do lixo está parado, que uma fila se forme aguardando espaço para a ultrapassagem. “Minha pior experiência foi ver um colega no chão, todo arrebentado, e a gente sem poder fazer nada, só esperando o Resgate”, conta Dalci sobre o atropelamento de um integrante de sua equipe.

E a terceira reclamação é contra a noção de que são eles, os coletores, que cheiram mal. “O cheiro mal vem do lixo das casas dessas mesmas pessoas que chamam a gente de fedidos”, argumenta José Erlando Jardim Barbosa, coletor há seis anos.

Em Ribeirão Preto, a coleta de lixo domiciliar funciona nos períodos diurno (quinze caminhões) e noturno (catorze caminhões). Tanto durante o dia quanto à noite são quarenta e oito coletores correndo atrás dos caminhões (sem contar os motoristas).

A Leão Leão Ambiental informa que fornece todos os EPI’s (Equipamentos de Proteção Individual) necessários para a rotina da profissão, como luvas, caneleiras, bonés, tênis e um tipo de meião mais grosso que o comum. Braços e pernas são as vítimas mais freqüentes de acidentes do trabalho.

E os cinco coletores entrevistados por A CIDADE foram unânimes numa coisa: que garrafas e cacos de vidro sejam embrulhados em papel (de jornais, revistas etc.) antes de serem colocados no lixo. “Se o pedaço de vidro estiver de jeito, bem afiado, não existe luva que segure (evite o corte)”, comenta o coletor Erivelton Soares de Oliveira. Já agulhas devem ser lançadas dentro de garrafas PET. Na noite da última quarta-feira, quando uma equipe conversou com a reportagem, um coletor estava afastado do trabalho por ter se furado, na noite anterior, com uma agulha mal acondicionada num saco de lixo. A seguir, histórias dos trabalhadores que percorrem (andando, correndo, saltando, arremessando sacos) todos os dias cerca de 40 quilômetro

Ano da Publicação: 2005
Fonte: www.abrelpe.com.br
Autor: Rodrigo Imbelloni
Email do Autor: rodrigo@web-resol.org

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