Eletricidade do lixo

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O gás metano produzido pela decomposição do lixo nos aterros sanitários pode ser aproveitado para produção de energia elétrica e redução de impacto ambiental provocado pela emissão de gases de efeito estufa na atmosfera, como mostra um projeto desenvolvido pelo Centro Nacional de Referência em Biomassa (Cenbio), grupo de pesquisa em bioenergia do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo (USP). A principal novidade dessa iniciativa é um levantamento detalhado da quantidade de gás emitida anualmente pela central de tratamento de resíduos de Caieiras, controlada pelo grupo Essencis Soluções Ambientais, que diariamente recebe cerca de 10 mil toneladas de lixo, 75% da quantidade recolhida da cidade de São Paulo. Com base nesses dados, é possível saber a potência energética disponível no local e analisar a possibilidade de replicar a iniciativa em aterros sanitários de pequeno porte espalhados pelo Brasil.

“No aterro de Caieiras implementamos um sistema pioneiro de iluminação a gás, que ainda está em fase de testes, e também um sistema de geração de energia elétrica, que já está operando”, explica a engenheira química Vanessa Pecora, que participa do projeto coordenado pelo professor Geraldo Francisco Burani, financiado pelo Ministério das Minas e Energia. O biogás é produzido pela biodigestão anaeróbia – sem a presença de oxigênio – de resíduos orgânicos presentes no lixo. A central de tratamento de Caieiras, localizada no km 33 da rodovia dos Bandeirantes, possui um sistema de captação e queima que inclui poços para extração de biogás do interior do aterro por meio de sopradores – que sugam o biogás – e uma rede de tubulações que faz o transporte do gás, encaminhado para um cilindro fechado de grandes proporções chamado flare. Nesse equipamento é feita a queima do biogás, processo necessário para transformar o metano em dióxido de carbono, gás com menor potencial de geração do efeito estufa.

Créditos de carbono - “O metano é 21 vezes mais prejudicial ao ambiente em termos de aquecimento global que o dióxido de carbono”, diz Vanessa. Quando o gás metano produzido a partir da decomposição do lixo orgânico deixa de ser emitido para a atmosfera, a empresa pode vender os créditos de carbono no mercado internacional, conforme diretrizes estabelecidas no Protocolo de Kyoto, que tem como meta a redução de gases de efeito estufa até 2012. Nos aterros mais antigos, sem uma planta de extração de gás, drenos espalhados pelo terreno captam o gás produzido no interior que aflora à superfície e é queimado manualmente. “Nesse sistema a eficiência de queima do metano é de apenas 20%”, explica Vanessa. Quando todo o gás produzido é captado pelas tubulações e enviado ao flare, a eficiência da queima sobe para 90%. “É esse ganho de 70% que entra na conta dos créditos de carbono.” Se além da queima houver um aproveitamento energético do biogás, o cálculo da eficiência atinge 100%.

No projeto conduzido pelo Cenbio foi utilizado um motor nacional de combustão interna ciclo Otto de 200 quilowatts de potência, que tem o mesmo princípio de funcionamento do motor dos carros, para conversão do biogás em energia. “Escolhemos esse motor porque é o de maior potência fabricado aqui”, explica a pesquisadora. Acima disso só existem motores importados, o que eleva o custo de investimento para o projeto. A energia produzida no processo é utilizada pelo soprador do equipamento. “Com isso há uma economia no gasto de energia elétrica proveniente da rede”, diz Vanessa. A produção atual do aterro de Caieiras é de 12.600 metros cúbicos por hora de biogás, mas apenas cerca de 200 metros cúbicos por hora são utilizados. “Se todo o biogás produzido fosse aproveitado, daria para gerar cerca de 15 megawatts de potência”, diz Vanessa. É energia suficiente para abastecer uma cidade de 250 mil habitantes. Na atual fase do projeto, iniciado em janeiro de 2006 e que será encerrado em dezembro deste ano, os pesquisadores estão finalizando uma análise técnico--econômica do empreendimento.

O estudo para aproveitamento do biogás produzido em aterro sanitário é um desdobramento de dois outros projetos desenvolvidos anteriormente pelos pesquisadores do Cenbio. O primeiro deles, implementado na Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) de Barueri, teve como objetivo comparar duas diferentes tecnologias de conversão – uma microturbina de 30 quilowatts e um motor ciclo Otto adaptado a biogás, com a mesma potência – para geração de eletricidade a partir do biogás produzido no tratamento de esgoto. A produção de biogás é feita a partir do esgoto tratado em biodigestores, equipamentos fechados onde é feita a digestão anaeróbia da matéria orgânica pela ação de bactérias. Nesse processo ocorre a fermentação do esgoto e a produção de biogás. “A energia gerada pelas duas tecnologias de conversão eram interligadas na rede da Sabesp”, diz Vanessa.

Durante o mesmo período, outro projeto de geração de energia do biogás tomava forma na própria USP, como parte do Programa de Uso Racional de Energia e Fontes Alternativas (Purefa). “O Cenbio participou desse projeto com a meta de utilizar o gás que era produzido no biodigestor que captava parte do esgoto proveniente do conjunto residencial dos estudantes da USP, o Crusp, e transformá-lo em energia”, explica Vanessa. Os pesquisadores desenvolveram um sistema de purificação e tratamento do esgoto. O biogás produzido era armazenado e enviado a um motor, que o convertia em energia suficiente para acender um painel demonstrativo do experimento.

Notícia publicada na página da Revista Pesquisa FAPESP, Edição Impressa 165 - Novembro 2009

Foto: Eduardo Cesar / Revista Pesquisa FAPESP

 

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Autor:
Dinorah Ereno / Revista Pesquisa FAPESP

 

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