Lúcia Nascimento
O lugar já foi uma antiga fábrica da família Matarazzo. Hoje é a Favela do Moinho, no bairro de Campos Elíseos, região central da cidade de São Paulo. É lá que encontro Mundano, grafiteiro conhecido por seu trabalho com carroças e catadores de lixo ou, como ele prefere dizer, catadores de material para reciclagem. Desde 2007, ele pinta carroças com grafite e mensagens como “Eu reciclo. E você?”, “Meu carro não polui. E o seu?” ou “Não buzine: agente ambiental trabalhando”.
Cansado de ver sua arte ser apagada pela prefeitura, nas paredes da cidade, ele teve a ideia de grafitar carroças. Junto, surgiu a necessidade de valorizar o trabalho dos catadores, que costumam ser discriminados pela sociedade e pelos motoristas de carro, “atrapalhados” pelas carroças no meio das ruas. “Queria pintar onde as pessoas pudessem ver o trabalho, de forma democrática”, diz Mundano. Para isso, nada melhor do que os carrinhos que circulam por aí, recolhendo o que foi jogado no lixo e que pode ser reciclado. Se depender do número de carroças pelo país, o trabalho de grafite feito por Mundano não acabará nunca.
Cerca de 15 milhões de pessoas, em todo o mundo, trabalham com a recuperação de resíduos hoje em dia. No Brasil, estima-se que um em cada mil habitantes seja catador. Por enquanto, 86 deles ostentam, em São Paulo, uma carroça pintada por Mundano. “Inicialmente queria pintar 100 carroças. Mas agora não paro mais”, afirma. Afinal, esse trabalho pesado merece apoio. Segundo a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2000, coleta-se por dia, no país, mais de 125 mil toneladas de resíduos domiciliares. Um favor e tanto para o meio ambiente, que receberia essa carga a mais – sem ter o que fazer com ela.
Os catadores, na verdade, fazem muito mais do que coleta. Eles recolhem, classificam, limpam e até mesmo processam o material recolhido. Em muitos casos, essa é a única alternativa para que o lixo que seria jogado em aterros ou lixões volte a ser processado, como matéria-prima para a produção industrial. Sem contar que a reciclagem reduz as emissões de gases do efeito estufa em até 25 vezes, quando comparada à incineração.
Mundo mais humano
No dia 1° de agosto, Mundano (nome que vem da junção de Mundo e Humano) estava na favela para uma oficina de grafite com as crianças do local. Pode parecer ironia, mas poucos lugares seriam tão adequados para uma conversa sobre lixo. Lá, na Favela do Moinho, falta água, falta luz, falta trabalho. Mas lixo existe de sobra.
Com a reciclagem, os catadores conseguem garantir a subsistência. Alguns até ganham bem. “Já conheci um catador que só andava pelas ruas de madrugada, quando o trânsito é mais tranquilo e a concorrência para coletar o lixo é menor. Tinha meses em que ele tirava R$ 2 mil”. Claro, essa é uma exceção. No geral, o rendimento não chega a um salário mínimo mensal.
Pode até faltar dinheiro, mas dignidade não falta. Ainda mais com a pintura. Para Mundano, há um exemplo claro: você prefere um carro caindo aos pedaços ou um novinho? Com o grafite, as carroças ganham destaque e se transformam: de um monte de pedaços de madeira, em obra de arte. E ainda chamam a atenção da população para o trabalho – do carroceiro e do grafiteiro. “Várias pessoas tiram fotos das carroças andando pela cidade e me enviam por email, concordando com as frases”, diz Mundano.
Em sua casa, na zona sul de São Paulo, o grafiteiro também recicla. Mas não espera que os catadores façam o trabalho por ele. Em vez de deixar todo o lixo junto, em sacos plásticos, ele separa os restos antes mesmo de colocar o lixo na rua para ser coletado e, o que pode ser reciclado leva até os postos de coleta.
Por que arte em carroças?
“O esquema é simples: eu encontro um carroceiro na rua ou visito uma cooperativa. Pergunto se posso dar um trato na carroça e explico o projeto. Enquanto converso com o catador, pinto de prata as calotas. Dou uma base colorida e logo depois pinto minha arte com spray. Sempre com mensagens defendendo a atividade”, enfatiza Mundano.
Quanto custa pintar uma carroça?
O gasto com tintas é de cerca de R$ 10 e o trabalho dura no máximo umas duas horas. Mas nem sempre os catadores podem – ou querem – parar por esse tempo. “Alguns acham que eu vou cobrar pela pintura e recusam. Tem tanta gente querendo lucrar com tudo que alguns catadores não confiam”, completa.
Lúcia Nascimento é jornalista em São Paulo.
Ano da Publicação: | 2010 |
Fonte: | http://www.oeco.com.br/reportagens/24414-eu-reciclo-e-voce |
Autor: | Rodrigo Imbelloni |
Email do Autor: | rodrigo@web-rersol.org |