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Em tempos de escassez de energia elétrica e abundância de lixo, pode-se contar com os aterros sanitários gerando eletricidade e contribuindo para a solução da crise em que o país se encontra? A resposta a esta pergunta é não.
Contudo, essa contribuição não deve ser descartada. O agravamento dos problemas ambientais em todo o globo indica que o uso de combustíveis fósseis como o petróleo e o gás natural deve ser substituído por fontes renováveis de energia. Os transtornos causados pela formação de grandes represas vêm tornando cada vez mais difícil a viabilização de empreendimentos de hidroeletricidade; a rejeição à tecnologia nuclear beira a unanimidade e, em tempos de democracia, o governo nem coloca em pauta tal discussão. Alternativas como energia eólica e solar ainda são caras. Diante disso, as pequenas centrais hidrelétricas e as diferentes tecnologias de uso de biomassa são as melhores opções.
A alternativa que será discutida a seguir, conseqüente da geração e tratamento dos resíduos, não deve ser encarada como a solução para os atuais problemas energéticos do país, mas como uma opção para determinadas necessidades locais. Além disso, outro problema que deve ser encarado é o crescimento das taxas de geração de resíduos.
Considerando a precariedade do saneamento ambiental em que vivemos, um programa que empregasse todo o gás de lixo na geração de eletricidade não representaria 1% daquilo que é consumido hoje no país. Todavia, exemplos de uso energético do gás de lixo influenciarão positivamente as administrações municipais, promovendo e premiando o bom gerenciamento dos resíduos, preservando águas subterrâneas e superficiais, gerando empregos, reduzindo a pobreza e incentivando o desenvolvimento tecnológico.
Considerando apenas 13 grandes aterros espalhados pelo Brasil, o potencial de geração de eletricidade é de 150MW. Isso seria suficiente para abastecer durante o ano todo uma cidade de 100 mil habitantes. Feitos os investimentos necessários ao saneamento básico, selecionando-se aterros convenientemente projetados e operados, a geração do biogás ocorre naturalmente de forma ininterrupta num período de até 20 anos. Investimentos para a captação e beneficiamento do gás são recuperados pela geração energética. De 30 a 100% da conta de eletricidade pode ser eliminada em estações de tratamento anaeróbio de esgotos ou aterros.
Outras aplicações como uso veicular ou geração de calor também são possíveis e vêm sendo praticadas sucesso nos EUA e Europa.
Países como China e Índia, em áreas rurais, usam habitualmente o gás gerado pela fermentação anaeróbia de fezes e urina de gado, restos de alimentos e esgotos domésticos. O gás gerado é coletado e armazenado, sendo utilizado como gás de cozinha ou combustível para iluminação. O nome popular dado a este combustível natural é biogás, uma mistura gasosa rica em metano, que é formada quando a matéria orgânica, que pode ser do lixo ou do esgoto, fermenta sem a presença de oxigênio.
No Brasil o uso do biogás também não é novidade. Há três décadas atrás, os choques do petróleo deram impulso ao uso de fontes alternativas de energia. A iniciativa mais bem sucedida neste período foi o programa do álcool que, apesar da crise de credibilidade que vive hoje, continua participando significativamente na composição da gasolina. Da mesma forma, o uso energético de biogás também já teve um período em que projetos tornaram-se realidade. Exemplos disso foram o aterro do Caju, no Rio de Janeiro, e a usina de açúcar e álcool Santa Elisa em Piracicaba, gerando combustível para abastecimento de caminhões e carros de passeio durante anos.
Ainda na década de 80 deu-se como superada a crise do petróleo, restabeleceu-se a confiança no seu fornecimento e seu preço não subiu da maneira esperada. A conseqüência disso, agravada pela crise de abastecimento do álcool no final da década, foi que tanto o programa do álcool quanto outras experiências de geração energética com fontes renováveis caíssem em descrédito, em detrimento do uso do petróleo, combustível de grande confiabilidade no fornecimento e flexibilidade no uso, armazenamento e transporte. O preço baixo deste combustível aliado à crise financeira fez com que fossem priorizadas outras áreas de investimentos.
Mas, o fato novo, preocupante e de difícil solução, que ainda levará muitos anos para ser equacionado, é o aumento do efeito estufa, importante causador das mudanças climáticas globais. Este problema é associado às previsões de elevação do nível dos mares, secas acentuadas em algumas regiões, aumento da ocorrência de chuvas em outras e derretimento do gelo polar. Evitar o lançamento do metano para atmosfera, aproveitando-o energeticamente e substituindo o uso de combustíveis fósseis é uma das principais opções de mitigação do aumento do efeito estufa. Dar uso energético ao metano gerado pelo lixo apresenta uma vantagem adicional. Este, que é o principal componente gerado pela degradação anaeróbia do lixo, tem um potencial de contribuição para o aumento do efeito estufa 21 vezes superior ao do dióxido de carbono, que é principal gás de efeito estufa.
Recentemente, o Ministério da Ciência e Tecnologia, em parceria com a Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo, avaliou a quantidade de metano que é emitida para a atmosfera. Ao todo 800 mil toneladas de metano são lançadas anualmente no Brasil. Além desse dado, a avaliação feita permitiu uma reflexão mais profunda a respeito do uso energético do biogás e das condições de saneamento no Brasil.
Pouco se faz a respeito do correto tratamento de resíduos urbanos no país. O mesmo vale para os serviços de coleta, em alguns Estados inferior a 40%. Isso significa que resíduos gerados em locais sem coleta, como favelas, contribuem para o agravamento das condições sanitárias e favorecem a ocorrência de poluição ambiental e doenças.
Ainda não existe uma política nacional específica para o correto gerenciamento de resíduos. Ainda assim, algumas boas práticas permitem ganhos adicionais ao ambiente, à sociedade e também à matriz energética, gerando energia descentralizada e próxima aos centros de consumo. Há incentivos dos agentes financeiros para a implementação destes sistemas, mas estes mecanismos não são de fácil acesso às municipalidades e há riscos inerentes ao negócio, por falta de enfoque específico pelas agências reguladoras.
Poucos aterros, em grandes centros, concentram a maior parte do potencial energético destas fontes. Por que, então, não aproveitá-los? Onde estão as barreiras para esse aproveitamento e como removê-las? Há alguma iniciativa hoje que forneça estudos de implementação desta tecnologia aos municípios, mostrando os ganhos econômicos e ambientais aos prefeitos?
Pretende-se que estas perguntas sejam respondidas pelo convênio de dois anos que está por ser iniciado no final de 2001, entre o MCT e a CETESB, visando fomentar tais usos em nível nacional. A Divisão de Questões Globais da CETESB aposta nisso.
(1) Este artigo*, será publicado no informativo técnico interno dos funcionários da CETESB ("Ambiente Técnico") coordenado por Olimpio de Melo Alves Jr. Trata-se da evolução de um artigo que já estava disponível na intranet da CETESB no folder da Área de Questões Globais - DDQ.
João Wagner Alves* é Engenheiro da CETESB da Divisão de Questões Globais - DDQ, Mestre em Energia pelo Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP e Especialista em Meio ambiente.Email:joaoa@cetesb.sp.gov.br
Oswaldo dos Santos Lucon** é Engenheiro da CETESB da Divisão de Questões Globais - DDQ, Mestre em Tecnologias Limpas pela Universidade de Newcastle, Inglaterra e Doutorando em Energia. Email: oswaldol@cetesb.sp.gov.br