Lixeira viva

De essencial, a lata de lixo virou item supérfluo na cozinha da antropóloga Nicole Roitberg, 31. Há um ano, cascas de fruta, aparas de verdura, restos de alimentos, borra de café e saquinhos de chá têm outro destino: a Minhocasa, um sistema de compostagem doméstica em que minhocas convertem resíduos orgânicos em fertilizante natural.



Desenvolvida pelo Instituto Coopera, uma ONG de Brasília, a Minhocasa é resultado de uma experiência australiana adaptada e redimensionada para a realidade brasileira.



Trata-se de um sistema fechado, composto por três caixas plásticas empilhadas. No compartimento do meio, uma colônia de minhocas de duas espécies -vermelha da Califórnia e gigante africana- se alimenta de sobras de alimentos, folhas secas e papel, convertendo-os em dois tipos de adubo: húmus e um biofertilizante líquido.



“Hoje, o lixo seco já tem mercado, virou dinheiro. Há indústria para reciclar latinhas de alumínio e garrafas PET. Não se vê uma na rua”, diz o administrador de empresas Cesar Cassab Danna, 35, um dos fundadores do Instituto Coopera. “Mas o lixo orgânico, que, segundo estatística mundial, representa mais da metade de uma lixeira doméstica, é o grande vilão. Mal manejado, é o que mais polui. Gera gás metano e chorume, aquele líquido ácido que acaba no lençol freático e contamina os rios”.



Se na lixeira convencional o lixo cheira mal, no minhocário isto não ocorre. Não há fermentação porque a relação entre nitrogênio (lixo molhado) e carbono (matéria orgânica seca) é balanceada na proporção de um para dois, respectivamente.



“Quando há excesso de nitrogênio, o lixo fica muito úmido, entra no estágio anaeróbico e fermenta. O carbono tem a função de aerar o sistema, de criar canais de ar”, diz Danna.



Ainda assim, o sistema gera um líquido com pH neutro usado como adubo folhear ou na rega. “Quanto maior for a diversidade dos restos alimentares, mais rico será o adubo”.



A seu favor, a Minhocasa tem o fato de 1) ser compacta; 2) não gerar mau cheiro; 3) não atrair ratos nem baratas; 4) não demandar os cuidados requeridos por uma composteira tradicional; 5) ser auto-regulável.



“As minhocas se adaptam de acordo com o espaço físico e a quantidade de comida disponível. Podem ficar até três meses sem receber alimentos. Não morrem, só diminuem ou param a reprodução”, diz Danna.



A médica Luciana Tutida, 34, está reciclando o lixo orgânico há três meses. Nesse ínterim, porém, já ficou uma semana sem alimentá-las. “O manejo é simples, tanto que às vezes eu esqueço de colocar lixo e não tem problema”, diz. “É gratificante saber que posso ajudar a reciclar o lixo que eu produzo”.



Solução doméstica



A idéia de descartar o lixo orgânico da maneira convencional, colocando-o na rua para que seja recolhido pelo caminhão e descartado em lixões ou aterros, há muito tempo não agradava a antropóloga Nicole Roitberg, que trabalha com sustentabilidade ambiental.



“Em sítio, é fácil fazer a composteira e resolver o problema, mas, por morar em apartamento, ainda não tinha resolvido a questão do meu lixo orgânico”.



No início, Nicole enfrentou resistência da mãe. “Ela não queria de jeito nenhum. Trouxe de surpresa e deixei um recado: “Dê boas-vindas para a nossa família”. Ela não gostou muito, mas, com o tempo, percebeu a importância não só de reciclar o lixo orgânico mas de perceber que a natureza transforma tudo. Uma coisa vira alimento da outra. Ao fazer isso, estamos tentando mimetizar esses processos da natureza”.



Praticante da permacultura – manejo sustentável dos recursos naturais a fim de causar o menor impacto ambiental possível, Danna diz que o grande apelo da Minhocasa é a funcionalidade e praticidade do sistema, mas principalmente a possibilidade de “cada um fazer a diferença”.



“Existem muitos paradigmas a serem quebrados em relação ao lixo. Na cabeça de muitos, é aquilo que fede e atrai doença. Mas o lixo é tudo isso sim se mal manejado. Do contrário, torna-se não um poluente, mas um grande nutriente. Se cada um cuida do seu, o benefício para o meio ambiente é muito grande, e o dispêndio financeiro para a coleta, bem menor”.



“O medo era sentir em casa o odor de caminhão de lixo”



Quando aquela caixa enorme aterrissou na cozinha de casa, toda embalada em papel Kraft, tarde da noite, gelei. Encontrar na jardineira uma minhoca aqui, outra acolá, era bom. Sinal de terra fértil. Mas a idéia de várias juntas, ao mesmo tempo, intimidava. Depois da longa viagem que fizeram, deviam estar estressadas, doidas para escapar. Melhor deixá-las se acalmar por uma noite.



No dia seguinte, ao tirar a colônia de minhocas do saco, algo parecia errado. Eram poucas e lentas. Quem sabe uma dose de comida para restabelecer o ânimo? No início, poderiam receber só 300 ml de resíduos orgânicos por dia. E toma picar a casca da banana, desfazer o saquinho do chá e esmigalhar a casca do ovo. Trabalho demais para quem, um dia antes, jogava tudo inteiro direto na lixeira.



Hoje, quase um mês depois, a tarefa é quase tão natural quanto a separação do lixo seco. Vibro ao ver que estão mais gordinhas, “correndo” para se enterrar (elas são fotossensíveis…) e que a família está aumentando.



O maior medo era sentir em casa aquele odor de caminhão de lixo. Mas não. Cheira a terra molhada. Outro temor era que o acúmulo de resíduos orgânicos atraísse vetores. Sequer uma formiguinha apareceu.



Curiosa tem sido a reação à novidade. Uns torcem o nariz e fazem expressão de nojo. Outros insinuam que um dia darei de cara com uma minhoca passeando pela casa. Já me perguntaram até se eu estava cevando iscas para pesca. E há quem ofereça os resíduos da própria casa para alimentá-las. Sem falar nos desconhecidos olhando estranho quando saio coletando folha seca na praça…



O fato é que o condomínio vertical de minhocas é um claro exemplo da capacidade de transformação do universo. Sinônimo de mau cheiro e doença, o lixo, quem diria, pode virar um nutriente riquíssimo e começar tudo de novo.





Fonte: Janaina Fidalgo (Folha de S.Paulo)

Ano da Publicação: 2008
Fonte: http://www.reciclaveis.com.br/noticias/00809/0080917lixeira.htm
Autor: Rodrigo Imbelloni
Email do Autor: rodrigo@web-resol.org

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