Da rotina humilde do sucateiro à comercialização de papel e papelão em grande escala, experiências mostram que o incentivo à reciclagem pode gerar muito mais empregos e renda.
Todos os dias, centenas de pessoas conhecidas como “sucateiros”, passam o dia nas ruas e lixões espalhados pelas cidades catando lata, ferro, vidro, litrão de refrigerante, papelão e outros materias com algum valor no mercado informal de lixo reciclável. A profissão cresce no mesmo ritmo dos índices de desemprego no Brasil. Muitos levam um dia inteiro para conseguir catar dez quilos de latinhas de alumínio e ganhar R$ 1,50 para comprar pão e leite. É o caso de Rose Martins, que leva o filho Odair, 2 anos, no carrinho feito com a caixa de um fogão velho. “Saio todos os dias para catar alumínio e cobre”, diz Rose, que mora na Vargem do Maruim, em São José.
Só em Florianópolis, cerca de 110 papeleiros, a maioria crianças, esperam o fim de tarde para sair às ruas do comércio empurrando seus carrinhos atrás do papelão que sobra nas lojas. O trabalho é intenso para conseguir uma boa carga, que chega a uma média de sete toneladas semanais por adulto. O papeleiro ganha R$ 0,60 pelo quilo de papelão e precisa de um grande volume para garantir uma quantia razoável no sábado, quando recebe pela produção da semana. A carga é levada para a Passarela do Samba Nego Querido, onde todos os dias às 14 horas o comprador passa com o caminhão para apanhar a coleta do dia anterior.
Com chuva ou sem chuva, a papeleira Rosa dos Santos não perde um dia de serviço. Esposa de Pedro Paulo Vanderval e mãe de Giovani, 10 anos, Claudinete, 5, e Rodrigo, 3, ela veio de Chapecó, no Oeste do Estado, e há três anos trabalha com o marido na coleta de papelão. Juntos, eles conseguem uma média de R$ 120,00 por semana. “Dá para comprar a comida”, diz Rosa. Ela sai de casa, na Vila Aparecida, ao meio-dia e só volta depois das 20 horas. Descanso mesmo só no domingo, quando o comércio não abre. Rosa só reclama da falta de segurança na passarela, onde costumam circular traficantes e viciados em drogas. “É muito perigoso”, lamenta.
Função social
Há um ano, o artista plástico Marcelo Muniz apresentou para diversas entidades e representantes do poder público um projeto que propõe a profissionalização do catador de papel com a criação de uma cooperativa de papeleiros. “Eles têm uma função social que precisa ser reconhecida como um trabalho digno”, afirma Muniz. A proposta do artista plástico é que o próprio papeleiro utilize o papelão como matéria-prima para a confecção de móveis, uma forma de agregar valor ao material coletado e de aproveitá-lo na sua essência, sem a necessidade de passar por um processo de reciclagem. “Minha idéia é mostrar que o projeto é viável, mas eles é que têm que decidir”, afirma Muniz.
O artista plástico lembra que muitas fábricas de móveis já utilizam o papelão como matéria-prima para a base de seus produtos. A técnica é usada principalmente na Europa, onde é comum encontrar cadeiras e poltronas feitas de papelão. Muniz é um adepto de trabalhos feitos com materiais recicláveis. Ele costuma utilizar restos de demolição e materiais de descarte para fazer luminárias e móveis. Em suas mãos, uma grade velha se transforma num belo corrimão. “Eu gosto de aproveitar a forma de um objeto para fazer uma coisa nova”, afirma o artista plástico.
Ano da Publicação: | 2004 |
Fonte: | A Notícia |
Autor: | Rodrigo Imbelloni |
Email do Autor: | tarbell@uol.com.br |