Na pele de um carroceiro

Adquirir uma carroça em São Paulo por si só é uma experiência. Por indicação de um carroceiro que abordei nas ruas do centro, um negro alto, forte e sem os dentes da frente, vou comprar a minha em um tal de Alemão, um dos melhores fabricantes, segundo fama conquistada no boca-a-boca.



A "loja" do Alemão fica escondida sob uma ponte, no Bom Retiro. Lugar escuro, vizinho a uma pequena favela cortada por trilhos. Um sinal intermitente avisa a aproximação de um trem que só passa de meia em meia hora.



Um carroceiro cruza os trilhos e pára diante de um portão velho, onde grita: "Alemão, Alemão!" O portão se abre, descortinando sucatas e restos de carros alegóricos espalhados por um terreno amplo coberto pela ponte.



Alemão é um homem com cerca de 1,65 m, branco, cabelos claros, barba cerrada, roupas encardidas. "Você vende carroça?", pergunto. "Vendo. Entra aí", convida.



Uma boa carroça ali custa R$ 250. Em geral, a encomenda leva de três a quatro dias para ficar pronta. Por sorte, um carroceiro havia feito o pedido, mas não apareceu para buscar o produto, um conjunto de ferro que pesa 90 kg. "Fico com ela", digo.



Um outro carroceiro aparece tão logo empunho o carrinho. "Tá começando?", ele questiona. Digo que sim e aproveito para pedir dicas. Onde poderia vender papelão? Ele diz que costuma ir a um lugar próximo à sede da escola de samba Camisa Verde e Branco, na Barra Funda. "E para dormir?" No albergue Dom Bosco, no Bom Retiro. "Lá tem até chuveiro com água quente", completa.



Na semana seguinte, esses dois lugares funcionarão como os principais pontos das minhas idas e vindas com aquela carroça pelas ladeiras e ruas congestionadas de São Paulo, disputando espaço com seus 3,5 milhões de veículos.



A caracterização



Passo alguns dias observando o trabalho dos carroceiros. Não há padrão, a não ser o da pobreza. Vejo trabalhadores de bermuda tactel, jeans ou moletom. De boné ou sem. Chinelo ou tênis. Camisas com motivos tropicais, xadrez ou lisas, camisetas de algodão brancas e coloridas. Alguns vão de peito nu.



Do meu guarda-roupa, vou selecionando possíveis "uniformes" em um saco de náilon, comprado na feira por R$ 3. Jogo lá dentro um saquinho com escova de dente, creme dental, sabonete e desodorante. Em outro saco, uma câmera, equipamento para medir os batimentos cardíacos, celular, cuecas, meias. Visto uma calça jeans rasgada e uma camiseta com dois furos. Estou pronto.



Vou para a porta do albergue Dom Bosco às 8h da terça-feira, dia 8 de abril, sem a carroça. Espero, do lado de fora, até as 13h30 para falar com a assistente social. Ela dá as caras, acompanhada de um segurança. Diz que só há vaga para carroceiros. "Minha carroça está em outro lugar", esclareço. Sou convidado a entrar.



A assistente estranha o fato de eu ter "boa aparência", apesar da barba crescida e da camiseta encardida. Para conseguir minha vaga, respondo a várias perguntas. Como soube do albergue? Há quanto tempo estou em situação de rua? Onde meus pais moram? Não poderia ficar na casa de amigo? Bebo ou uso drogas?



Sou aceito depois de meia hora de conversa. Estou agora bem próximo de um grupo que, segundo pesquisa da prefeitura, de 2005, é formado por homens (90%), com idades entre 41 e 55 anos (48%).



O Albergue



Ainda desconfiada, a assistente inicia uma breve explicação sobre a rotina no abrigo. É um lugar onde vivem cerca de 50 pessoas, a maioria homens, mas também mulheres e crianças. Alguns conselhos são repetidos: "Estamos oferecendo uma facilidade. Não é para se acomodar, se tornar dependente dessa oferta"; "É importante manter coisas de valor trancadas no armário. Não deixe nada espalhado nem no banheiro"; "Não chegue bêbado nem alterado por drogas. Não chegue após as 22h, a não ser que tenha autori

Ano da Publicação: 2008
Fonte: http://www.reciclaveis.com.br
Autor: Rodrigo Imbelloni
Email do Autor: rodrigo@web-resol.org

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