Lester Brown*
A questão sobre o que fazer com as 11.000 toneladas de lixo produzidas diariamente pela cidade de Nova York vem novamente à tona, desta vez no orçamento do Prefeito Michael Bloomberg que propõe, como medida de economia, acabar com a reciclagem de metais, vidros e plásticos. Infelizmente, isto significa aumentar, ao invés de diminuir, o volume do lixo.
O problema do lixo de Nova York tem três facetas. É um problema econômico, um desafio ambiental e um pesadelo potencial de relações públicas. Quando o aterro sanitário de Fresh Kills, o local de destinação final do lixo de Nova York, foi desativado permanentemente em março de 2001, a cidade teve que transportar o lixo para aterros distantes em Nova Jersey, Pensilvânia e Virginia – alguns a quase 500 quilômetros de distância.
Tomando por base uma carga de 20 toneladas para cada uma das caçambas-reboque utilizadas para transporte a longa distância, são necessários cerca de 550 reboques para transportar o lixo de Nova York, diariamente. Estes reboques formam um comboio de 14 quilômetros de extensão, congestionando o trânsito, poluindo o ar e elevando as emissões de carbono. Este comboio diário levou o Vice-Prefeito Joseph J. Lhota, que supervisionou a desativação de Fresh Kills, a declarar que a eliminação do lixo urbano, hoje, “é como uma operação militar cotidiana.”
Ao invés de reduzir rapidamente o volume de lixo gerado enquanto Fresh Kills se enchia, a decisão foi simplesmente levá-lo para outro lugar. Comunidades locais em outros estados, carentes de recursos, se prontificam a aceitar o lixo de Nova York – se forem bem remunerados. Alguns o consideram uma benesse. Entretanto, para os governos estaduais sobrecarregados com os custos crescentes de manutenção de rodovias, este esquema não é muito atraente. Além disso, têm que lidar com congestionamentos, ruídos, aumento da poluição e reclamações das comunidades vizinhas.
O Governador de Virginia, Jim Gilmore, protestou ao Prefeito Rudy Giuliani, em 2001, contra o uso do estado como depósito de lixo. “Compreendo o problema que Nova York enfrenta,” observou ele. “Mas o estado natal de Washington, Jefferson e Madison não tem a menor intenção de se tornar o lixão de Nova York.”
No início de abril de 2001, o novo Governador de Virginia, Mark Warner, propôs um imposto de US$ 5 por tonelada sobre todos os resíduos sólidos despejados em Virginia. Isto deverá gerar um fluxo de caixa anual de US$ 76 milhões para o tesouro estadual, mas não ajudará a resolver os problemas econômicos de Nova York.
Na Pensilvânia, a Assembléia Geral está considerando promulgar legislação que restrinja a importação de lixo de outros estados. À medida que os aterros dos estados vizinhos começam a encher haverá menos locais para levar o lixo de Nova York, aumentando ainda mais os custos de sua destinação final.
O lixo de aterros consome terra. Para cada 40.000 toneladas de lixo adicionado a um aterro, perde-se pelo menos um acre de terra para uso futuro. Também se perde uma grande área do seu entorno, pois o aterro, com resíduos potencialmente tóxicos, deve ficar isolado das áreas residenciais.
A administração municipal de Bloomberg propôs a incineração como solução. Porém a queima diária de 11.000 toneladas de lixo apenas aumentará a poluição atmosférica, agravando ainda mais o ar já insalubre. Da mesma forma que o transporte do lixo para locais distantes, a incineração trata os sintomas e não as causas da montanha de lixo de Nova York.
O volume de lixo produzido na cidade é a manifestação de um problema mais fundamental – a evolução da economia mundial do descarte. Produtos descartáveis, facilitados pelo apelo da conveniência e o custo artificialmente baixo de energia, são responsáveis por grande parte do lixo que produzimos.
É fácil esquecer quantos produtos descartáveis existem até que comecemos, efetivamente, a listá-los. Substituímos os lenços, toalhas de mão e guardanapos de pano pelos de papel, e as garrafas de vidro, reutilizáveis, por latas e garrafas plásticas. Talvez, como o último dos insultos, os próprios sacos de compras que são utilizados para transportar os produtos descartáveis são, eles próprios, descartáveis, somando-se ao fluxo do lixo. A pergunta no caixa do supermercado, “Papel ou plástico?” deveria ser substituída por, “Você trouxe sua sacola?”
O desafio que enfrentamos, hoje, é substituir a economia do descarte pela economia da redução/reutilização/reciclagem. A Terra não pode mais tolerar poluição, uso de energia, perturbação da mineração e desmatamento exigidos pela economia do descarte. Para cidades como Nova York o desafio é, em primeiro lugar, menos o que fazer com o lixo e mais como evitar sua produção.
Nova York recicla apenas 18 porcento dos seus resíduos municipais. Los Angeles recicla 44 porcento e Chicago, 47 porcento. Seattle e Minneapolis têm, ambos, taxas de reciclagem em torno de 60 porcento. Mas, até mesmo eles estão longe de explorar o potencial pleno da reciclagem do lixo. Há muitas formas de reduzir a montanha diária de lixo. Uma delas é, simplesmente, proibir o uso de recipientes “one-way” para bebidas, o que foi feito na Dinamarca e Finlândia. A Dinamarca, por exemplo, proibiu recipientes “one-way” para refrigerantes em 1977 e cerveja em 1981. Se o Prefeito Bloomberg quiser um exemplo mais perto de casa, é só visitar a Ilha Prince Edward, no Canadá, que também adotou uma proibição semelhante para recipientes “one-way.”
Há outros ganhos na reutilização de recipientes de bebidas. Uma vez que são transportados de volta para as engarrafadoras nos mesmos caminhões que fazem a entrega, reduzem não apenas o lixo mas também o congestionamento do trânsito, o uso de energia e a poluição atmosférica.
Temos a tecnologia para reciclar praticamente todos os componentes do lixo. Por exemplo, a Alemanha, hoje, obtém 72 porcento do seu papel de fibras recicladas. Com vidro, alumínio e plásticos, as taxas potenciais de reciclagem são até maiores.
Os nutrientes do lixo também podem ser reciclados pela compostagem de materiais orgânicos, inclusive resíduos da capinação de parques e jardins, restos de alimentação e de produtos de supermercados. Anualmente, o mundo minera 139 milhões de toneladas de rocha fosfatada e 20 milhões de toneladas de potassa, a fim de obter o fósforo e potássio necessário para substituir os nutrientes que as lavouras removem do solo. A compostagem urbana que devolveria os nutrientes ao solo poderia reduzir enormemente estes gastos em nutrientes e a perturbação causada por sua mineração.
Uma outra medida para redução do lixo, nesta situação de estresse fiscal, seria aplicar um imposto sobre todos os produtos descartáveis (efetivamente um imposto do lixão) para que aqueles que utilizam produtos descartáveis suportem diretamente o custo de sua destinação final. Isto aumentaria receitas reduzindo, ao mesmo tempo. os gastos para a destinação do lixo, e ajudando a reduzir o déficit fiscal da cidade.
Existem inúmeras soluções de ganho economicamente atraentes e ambientalmente desejáveis, que ajudarão a evitar a débâcle emergente de relações públicas criada pela imagem de Nova York como a capital mundial do lixo. Uma resposta a esta situação que trate as causas, ao invés dos sintomas da geração do lixo, poderá ser extremamente proveitosa para a cidade.
*Lester Brown é fundador do WWI-Worldwatch Institute e do EPI-Earth Policy Institute
Todos os direitos reservados. EPI-Earth Policy Institute / UMA-Universidade Livre da Mata Atlântica.
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Ano da Publicação: | 2009 |
Fonte: | http://www.wwiuma.org.br/artigos/001.html |
Autor: | Rodrigo Imbelloni |
Email do Autor: | rodrigo@web-resol.org |