Onde os olhos da maioria só vêem sujeira e mau cheiro, as mãos de Maverick enxergam e tateiam novas possibilidades. Um liqüidificador abandonado pode se tornar o eletrodoméstico que faltava na cozinha de uma outra dona de casa; um brinquedo quebrado pode alegrar a brincadeira de um novo menino. Um óculos colorido, faltando uma perna, vira acessório fashion. Através de pequenos remendos e alguns retoques, ele cuidadosamente recria objetos encontrados no lixo; transforma a indiferença de um no sorriso do outro. Com olhos de poeta, consegue vislumbrar beleza onde parece haver apenas feiúra. Com coragem de artista, encara o lugar que a sociedade optou por desprezar.
“Já peguei muita coisa boa no lixo. Foi com ele que criei minha obra de arte”, diz, apontando orgulhoso o carro que construiu com material reciclado. Pintada com as cores do Esporte Clube Bahia, a máquina não-motorizada é toda enfeitada com CDs, câmeras fotográficas, aparelhos celulares, latas, garrafas plásticas, bonecos e até uma raposa. Também tem som, televisão e buzina de Kombi, que funcionam graças a uma bateria de carro. “Isso aqui é meu xodó, é meu ganha pão”, revela, com olhos que deixam perceber a emoção de quem suou muito pra alcançar um objetivo. Ele não sabe ao certo quantas peças enfeitam seu carro, ou quantos objetos estão dispostos em sua oficina de reciclagem, localizada no bairro do Vale da Muriçoca, mas garante que nota a ausência de qualquer um deles.
Admiradores
Que ninguém se engane achando que Maverick topa qualquer parada. “Eu não vou em qualquer lixo não, só nos bairros que dá pra tirar alguma coisa!”, alardeia. Agora, por exemplo, ele já tem seu ponto fixo: os tonéis do Parque São Brás, na Federação. Também não gosta de fazer bagunça nas lixeiras alheias, nem deixa que seus colegas catadores façam. “Quando vejo alguém mexendo na minha área, digo: ‘‘‘‘panhe‘‘‘‘ o que você quiser e coloque o resto na lixeira de novo, que você nem devia tá aqui agora”, reclama.
Trabalhando com seu carro há oito anos, Maverick já conquistou uma série de admiradores. Muitos trazem até sua oficina peças para serem doadas. Alguns o chamam quando ele passa pela rua, já com objetos separados para lhe entregar. Ele analisa tudo que recebe cuidadosamente, ao lado das peças que recolhe em suas caminhadas diárias, que começam às 6h30 e só terminam por volta do meio-dia. Muitas vezes, nem almoça, ansioso por explorar as novas aquisições. “Separo o alumínio e o papelão, porque esses valem mais e são vendidos. Depois, vejo as outras coisas. Uma vez, mudei só uma peça numa televisão e ela voltou a funcionar. Relógio, é só trocar a pilha. Tem ventilador, roupas, sapatinho de bebê. Daqui pago minha água, minha luz e minha comida”.
Na oficina de Maverick, tudo foi feito com peças recicladas. O espaço, que começou apenas com uma parede, já abriga centenas de utensílios, que vão desde calotas de pneus de carro, até mesas e sofás, passando por todo tipo de roupa e diversos recipientes. Alguns estão pela metade, faltando um pedaço, mas nada é desprezado. Chegam a passar anos ali, à espera de um destino. “Tem até gente que joga as coisas fora e depois vem procurar”, diz. A oficina já funciona como uma espécie de loja para a comunidade. Gente que muitas vezes nem tem dinheiro, mas nunca sai de mãos vazias.
No meio da conversa, uma adolescente entra no recinto empoeirado, com peças organizadas numa disposição que somente seu criador conhece de cor e salteado. “Quanto custa?”, indaga, apontando uma bolsa de camurça marrom que aparenta perfeito estado de conservação. “Três reais”. Ela sorri meio sem graça: “Só tenho dois”. Maverick consente com um aceno de cabeça, e a jovem sorri, satisfeita com a nova aquisição.
Seu visual é um capítulo à parte: começou quando encontrou um guarda-pó branco<
Ano da Publicação: | 2005 |
Fonte: | www.reciclaveis.com.br |
Autor: | Rodrigo Imbelloni |
Email do Autor: | rodrigo@web-resol.org |