AUTORA: Camila Artoni
Duas décadas atrás, também, o lixo dos países desenvolvidos era um problema com que apenas eles tinham de lidar. Agora, a questão é global. “Havia uma defasagem para as novidades chegarem aqui”, explica o economista Sabetai Calderoni, autor de “Os Bilhões Perdidos no Lixo”. “Hoje os lançamentos são simultâneos e existe uma febre de substituir os equipamentos assim que chega algo novo ao mercado. O que vemos é uma obsolescência programada, não casual.”
A cada dois anos e meio um chip dobra de capacidade e o anterior sai de cena. Somente no Brasil são produzidas, por ano, 3 mil toneladas de celulares. Para onde vai isso tudo? “Depende da política de cada município”, explica Eduardo Castagnari, presidente da Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais), “mas na maioria dos casos o destino é equivocado”. “Supõe-se que no Brasil a maior parte dos resíduos eletrônicos tenha um fim semelhante aos resíduos urbanos, ou seja, os aterros sanitários. E essa é uma uma hipótese levemente otimista”, diz Sebastião Roberto Soares, chefe do departamento de engenharia sanitária e ambiental da UFSC. A suposição pessimista é que os eletrônicos vão parar em lixões.
Aqui, o problema dos resíduos sólidos reside no tratamento e disposição final, e não na limpeza pública, que já atende a maior parcela da população urbana. “No caso dos eletroeletrônicos, há uma deficiência adicional pelas oportunidades de reciclagem que ainda são desperdiçadas”, aponta Diógenes Del Bel, presidente da Abetre (Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos). Uma exceção é o município de Curitiba (PR), que possui um sistema de coleta para resíduos perigosos domésticos com destinação para aterro industrial.
Acontece lá fora
• Suíça
Dois sistemas de retorno ao fabricante são financiados por uma taxa prévia de reciclagem, um para aparelhos elétricos (de secadores de cabelo a geladeiras) e outro para eletrônicos (computadores, celulares e afins). Os fabricantes e importadores são responsáveis por seus produtos até o fim de sua vida útil e devem garantir um processo de reciclagem limpo e eficiente. Somente 3% do e-lixo vai para aterros, que são sujeitos a controles rígidos.
• Índia
A maior parte do lixo vem dos fabricantes, que descartam chips, placas-mãe e periféricos defeituosos. Não há maquinário ou equipamento de proteção adequados para a extração de materiais na reciclagem. O trabalho é feito manualmente e sem luvas, com o auxílio apenas de martelos e chaves de fenda. Crianças e mulheres são geralmente envolvidas nessas operações. Aquilo que não tem valor para reuso ou revenda é queimado a céu aberto ou depositado em aterros.
• China
O sistema de reciclagem é caótico. A coleta de lixo é parcialmente organizada, mas não se presta exclusivamente a esse fim e cobre todo tipo de resíduo. Os coletores é que pagam ao consumidor por seus equipamentos usados, mesmo sem funcionar. A importação de lixo é ilegal, mas amplamente praticada, com despejos vindos principalmente dos EUA, da Coréia e do Japão. Depois do desmantelamento, o e-lixo é mandado para refinarias de metais no sudeste do país.
• África do Sul
Devido a regulamentações severas para o comércio de metais preciosos no país, é difícil encontrar refinariais que aceitem processar material sem as especificações exigidas. Não há leis que determinem a responsabilidade pós-consumo ao fabricante nem ao consumidor. Muitos distribuidores trocam material velho por novo na hora da venda, mas a maior parte vai para aterros. É comum que máquinas obsoletas sejam descartadas junto com resíduos sólidos comuns.
Foras-da-lei
Conscientizar o setor e os consumidores é importante, mas sem leis pouca coisa muda. Foi somente com uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente que fabricantes, importadores e comerciantes de pilhas e baterias passaram a tomar conta do material tóxico que vendem, com multa pesada para os que fogem da norma.
Nem sempre a existência de uma lei reguladora resolve a questão. Apesar da Convenção da Basiléia, acordo que limita os resíduos perigosos às fronteiras do país que os produz, a exportação de lixo eletrônico é prática corrente. Um computador inteiro não pode ser considerado resíduo, por isso consegue furar o controle. É o caso da China, que virou depósito da sucata tóxica que vem dos Estados Unidos, do Japão e da Europa. Com exceção dos EUA, todos esses países são signatários do tratado.
Em um país assolado pela fome, a atividade tornou-se um grande mercado. As casas chinesas são o destino dos contêiners, onde vão para o desmantelamento manual. Em geral são as mães e as crianças que fazem a desmonta, sem proteção. O que tem valor comercial, como os metais preciosos usados na soldagem, é vendido. O que não tem acaba na beira de um rio, onde é queimado. Os químicos persistentes lançados ao ar, no solo e na água são extremamente tóxicos. Quando alojados no corpo das mulheres, só têm duas saídas: pelo leite ou pela placenta. Até as gerações futuras já estão em risco.
Ano da Publicação: | 2010 |
Fonte: | http://revistagalileu.globo.com/Galileu/0,6993,ECT1023727-1939-2,00.html |
Autor: | Rodrigo Imbelloni |
Email do Autor: | rodrigo@web-resol.org |