Os catadores de recicláveis no século retrasado
Notícia publicada no Jornal do Comércio em 5 de janeiro de 1.896
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Sabem vosmecês qual a industria mais curiosa do Rio de Janeiro?
A do lixo, com laboratório nas ilhas da Sapucaia e do Bom Jesus. Para alli vão todos os resíduos da grande Capital. O immenso acervo de lixo já aterrou parte do mar circumvizinho, e ameaça emendar as duas ilhas, transformando-as em um unico banco de immundicies accumuladas. Uns officiaes invalidos da patria, que residem na Ilha do Bom Jesus, na face fronteira à da Sapucaia, vendo imminente a invasão daquella estrumeira até à frente de suas casas, resolverão defender-se… a tiro!
Quando os lixeiros se approximão um pouco, elles agarrão nas carabinas e fazem fogo.
De polvora secca, está visto, mas os lixeiros disparão em todas as direcções, porque estão bem avisados de que a terceira descarga é de bala.
Ri-me a valer, acompanhado as peripecias deste sitio sui generis.
Os lixeiros são todos ilhéos, hespanhóes ou filhos da Galliza.
Explorão aquelle monturo como se explora uma empreza vasta, complicada e rendosa. Uma verdadeira alfandega!
São uns quarenta ou cincoenta, muito unidos e amigos, e que de Rio de Janeiro só conhecem a Sapucaia. Dividem entre si, com todo o methodo e ordem, os variados serviços das diversas repartições de Lixo.
Tudo alli é aproveitado, renovado, re-utilizado e revendido.
Os viveres deteriorados servem para o sustento da corporação. O rancho é em um alpendre, construido no meio da Sapucaia; sobre a mesa figurão victualhas pescadas naquelle oceano de sujidades e cacos, restos de carne secca, trechos de bacalháo, raspas de goiabada, massas, frutas verdoengas ou semi-podres, formando um conjunto esquipatico de manjares que elles devorão como se fosse leitão assado com farofinha.
Só comprão o sal e o Paraty.
Como as moscas enxaméão alli em quantidade prodigiosa, a illustre companhia se biparte por occasião das refeições: enquanto uma das turmas está a comer a outra occupa-se em enxotar com grandes abanos os importunos imsectos.
E transformão tudo em dinheiro.
Trapos, vendem às fabricas de papel; garrafas, às ditas de cerveja; ferros e metaes, às fundições; folhas de flandres, aos funileiros; cacos de louça e crystaes, às fabricas de vidro.
Só não vendem os viveres deteriorados, com medo do Instituto Sanitario. Comem-nos!
De vez em quando dão sorte, fazendo achados extraordinarios.
Os colxões velhos gozão naquellas paragens de uma reputação miraculosa. Especie de bilhete de loteria, gravido de alguma sorte grande…
Ha muitos avarentos que escondem a bolada em colxões velhos… Ha lixeiros enriquecidos pelos colxões…
Esses hespanhóes e ilhéos são muito dóceis, trabalhadores e disciplinados… Vivem satisfeitos e tranquillos, só sahindo da Sapucaia para regressarem á terra, recheiados de libras.
Où le bonheur vat-il se ficher?
Num monturo!!
Ano da Publicação: | 2003 |
Fonte: | Jornal do Commercio de 5 de julho de 1.896 |
Autor: | Paulo Jardim |
Email do Autor: | Paulo_Roberto_Nagib_Jardim/COMLURB.COMLURB@pcrj.rj.gov.b |