Por Suyen Miranda
Uma das maiores provas concretas da abundância da vida que vivemos atualmente é o volume imenso de lixos que o mundo produz a cada dia. Nossos lixos (no plural, como devem ser) mostram muito de nós.
Mostram como lidamos com nossas forças concretas, materiais; como lidamos com nosso concreto que traduz nossas idéias, aquilo que colocamos como energia material e depois desprezamos, ou melhor, nem pensamos duas vezes antes de descartar. São as idéias concretizadas, os amores desfeitos – que deixam herança em forma material – e tudo aquilo que passa.
Nossos lixos são riquíssimos. Há histórias, há valores – não só os pessoais, mas os recicláveis; veja quanto se faz de dinheiro com seus subprodutos – e emoção à vontade. Os lixos ficam lá à espera de quem venha os retirar, tirar do alcance dos olhos para que não nos incomodem mais. Daí vem uma pessoa, ou o caminhão, que faz a desmaterialização dos lixos do nosso campo visual.
Os lixos daí caminham nos coletores para onde eles são menos rejeitados, formam pilhas que merecem a disputa de pessoas em busca de mais recursos. Elas consideram natural fazer a “triagem”, e de fato geram renda a partir daquilo, que em essência virou lixo, mas teve seus dias de glória.
O que considero curioso no processo – que se vê natural – é como nós, individualmente, lidamos mal com nossos lixos. Nossa vida urbana corrida não nos permite pensar sobre como seria o mundo se não houvesse quem fizesse o descarte dos nossos lixos. É fácil ver isso: fique dois dias sem a visita do seu coletor para sentir isso (literalmente).
Há um tempo atrás li uma tese linda, de um psicólogo que passou pela experiência de ser coletor de lixo. Ele se viu como um ninguém, pois as pessoas vêem os lixos como nadas (no plural também), e quem lida como os mesmos torna-se nada. Já viu alguém cumprimentando efusivamente e agradecendo ao coletor por ter retirado o “problema” da sua porta?
A seleção dos lixos – que nem todos fazem, pois para fazer isso é preciso ter contato com o que se desprezou, com o que estragou ou perdeu o valor (coisa para poucos, bons e valentes) – mostra para nós muito da nossa história, do nosso jeito e valor. Vai desde as cascas das frutas que saboreamos gostosamente, dos produtos que deles só sobraram as embalagens vazias, dos cadernos que acabaram (pois o ano passou), o pó que veio para a casa, detritos orgânicos humanos (que tem história para contar, mas ninguém quer ler o que há ali…), e até provas dos sonhos que foram acalentados (não falta vestido de noiva e biquíni nos lixões).
Tem aqueles que nunca colocam nada em seus lixos – preferem reter tudo com eles, seja jornal velho, roupa do tempo do onça, mas nada orgânico porque cheira, fede e isso incomoda – por não conseguirem o desapego. Deixar ir o que foi importante, mesmo que já sacramentado como terminado. É diferente de quem procura produzir poucos lixos, porque está comprometido com uma vida ecológica e economicamente mais inteligente – há quem nunca coloque nada no lixo porque todos os lixos orgânicos são processados (é preciso espaço para isso, e conhecimento prévio, não saia fazendo!!!) e os lixos não orgânicos ganham nova roupagem em estações de reciclagem, gerando emprego, renda e oportunidade. Estes últimos sabem ter sem ter a posse.
E o que o lixo e a posse tem a ver com o dinheiro?
Dinheiro é algo que é importante para a vida em sociedade, assim como o amor, a saúde, o afeto. E todos estes itens pressupõem uma coisa vista há pouco: ter sem posse. Não adianta se “agarrar” ao dinheiro, mas sim usá-lo, fazê-lo girar, movimentando a roda dos negócios que irão gerar empregos, novos negócios, num ciclo virtuoso.
Esbanjar é como ter lixo demais; reter é ter posse, deixar de fazer simplesmente para contemplar as notas ou o número que elas demonstram. Usar sabiamente é equilibrar estas forças – fazer dinheiro e devolvê-lo ao mercado na forma de compras inteligentes, bons investimentos, fazendo sua reserva para realizar sonhos – e o interessante é que, quanto mais lido melhor com os lixos do meu cotidiano de forma desapegada, sem posse ou excesso, melhor compreendo o valor do que produzo na vida.
Comece analisando o que te cerca e como você lida com o que tem, e quando dispõe dele. Parece algo inusitado, mas o fato é que o lixo revela muito de nós mesmos. O fato é que o mundo ainda não está preparado para lidar com seu lixo individual – que implica em responsabilidade. O caminho para encontrar este equilíbrio é pessoal. A resposta é solitária, única, mas pode trazer a luz para relações concretas mais eficazes e emocionais mais satisfatórias, gerando menos lixos e mais prosperidade, mais reciclagens e mais materiais que façam a diferença. Sem que os lixos ocupem tanto o caminho
Suyen Miranda é publicitária e consultora de finanças pessoais, atuando no Brasil, Mercosul, Portugal e Angola. Já foi consumidora compulsiva voraz e tornou-se poupadora e empreendedora, e acredita que toda mulher pode e deve ser autônoma e independente financeiramente. suyen@suyenmiranda.com.br
Ano da Publicação: | 2010 |
Fonte: | http://vilamulher.terra.com.br/os-lixos-e-as-posses-5-1-38-206.html |
Autor: | Rodrigo Imbelloni |
Email do Autor: | rodrigo@web-resol.org |