A Terra Papel Feito à Mão, de Florianópolis, rompe com a resistência do mercado e prova que papel reciclado não serve só para fazer trabalhos escolares.
A empresária Zuleica Medeiros, proprietária da Terra Papel Feito à Mão, é uma referência nacional quando se fala em reciclagem. Sua história com o reaproveitamento de materiais começou quando a então professora de teoria da arte na Universidade de Brasília (UnB) descobriu que o custo do material escolar, principalmente para as aulas de educação artística, era uma das principais causas da evasão escolar no Brasil. Zuleica não teve dúvidas em propor cursos de confecção de pincéis, papel e tinta para professores da rede federal de ensino. O projeto teve um sucesso tão grande que a professora viajou o Brasil inteiro repassando seus conhecimentos. Em outubro de 1988, colocou pela primeira vez os pés em Florianópolis e descobriu a cidade ideal para instalar uma fábrica de papel reciclado feito à mão. Motivo: dos 8% que restavam de mata atlântica na época, 30% estava em Santa Catarina. “Aqui tinha muito o que fazer”, diz Zuleica.
Um dia depois da chegada em Florianópolis, Zuleica já estava produzindo papel com aparas misturadas a folhas de bananeira e bagaço de cana-de-açúcar. Ela lembra da primeira encomenda como se fosse hoje. “A entrega das dez primeiras folhas foi uma novela. Hoje, quando me pedem 10 mil a sensação é muito mais leve”, compara a professora. Persistência e dedicação foram elementos essenciais para conquistar um mercado que relutava em aceitar o papel reciclado como um produto de qualidade e adequado para o consumo. “Para que serve esse papel?” era a pergunta constantemente ouvida por Zuleica. Para mostrar, a empresária teve que abandonar a idéia inicial de apenas uma indústria de papel e começou a produzir várias linhas de produtos com papel reciclado. “Fui buscar o verdadeiro papel, o mais nobre. O pior papel é o do século 20, que dura de 30 a 35 anos. Prova disso é a nossa certidão de nascimento”, compara Zuleica.
A falta de mercado em Florianópolis fez Zuleica buscar clientes no Rio de Janeiro e em outros países, levando a marca Terra para as principais papelarias da Inglaterra, Estados Unidos, França e Portugal. O sucesso foi tão grande que a empresa não tinha força para sustentar a demanda exigida. No Brasil, Zuleica começou a receber a confiança de grandes empresas, interessadas em buscar alternativas para os resíduos da produção engajadas com a preservação ambiental. Foi o caso da Cimento Portlant Rio Branco, a maior do setor no Brasil, que através da Terra transformou os sacos de cimento em capas de relatórios da empresa. Antes disso, a Shell havia feito o mesmo, ganhando um prêmio como o melhor relatório do ano. Um caso mais recente é o da cervejaria Brahma, de Lages, que enviou o resíduo da cevada para que a Terra o transformasse em cartões de visita da diretoria. “O papel é o vilão brasileiro”, explica Zuleica. Constantemente somos acusados de destruir nossas florestas e daí o interesse das empresas em mostrar consciência ecológica para buscar pontos com o consumidor do mercado lá fora.
Preço da vida
Essa consciência ainda está longe de ser uma realidade. Segundo Selma Bombachini, responsável pela comercialização do papel Terra, o cliente ainda pensa duas vezes e resiste ao preço do papel reciclado, mais elevado que o tradicional. “É investimento e não custo. O preço da vida tem que estar embutido no cálculo de custo”, ressalta. O curioso nessa questão é que a resistência de parte de próprias entidades que se dizem “defensoras” do meio ambiente. Foi o que aconteceu com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), largamente criticado depois de lançar uma campanha para a preservação de florestas com cartazes produzidos em papel tradicional. “Existe uma indústria de consciência ambiental que ganha dinheiro com isso e não usa papel reciclado porque é 1 ou 5% mais
Ano da Publicação: | 2004 |
Fonte: | A Notícia |
Autor: | Rodrigo Imbelloni |
Email do Autor: | tarbell@uol.com.br |