O escritor Antônio Prata já me perguntou, provavelmente em uma mesa de bar, para onde vão as canetas Bic e os isqueiros que somem da nossa vista. Para mim a sensação é incômoda. Compro com regularidade canetas e isqueiros, mas elas não se acumulam, nem se gastam. Desaparecem antes, bem antes, de acabar sua tinta ou seu gás. Qual seria seu destino? Será que estão todos juntos? Formaram uma civilização? Ela tem líderes?
Antônio, que é meu amigo, sofre como eu com a falta de resposta para esta pergunta. Existiria uma dimensão da realidade fora do nosso campo de visão repleta de canetas bic em todas as cores e isqueiros? Há uma gigantesca organização criminosa que se dedica a roubar esses itens descartáveis e revende-las? Porque para o lixo não vão, disso nós sabemos. Já procuramos no lixo. Muitas vezes.
Literato, Antônio encontrou uma resposta na obra do escritor argentino, Jorge Luiz Borges. Este já havia descoberto o paradeiro dos guarda-chuvas desencaminhados há décadas. Todos esses itens fugitivos, concluiu Antônio, vão para os anéis de Saturno. Começou com os guarda-chuvas e continuou a peregrinação com os itens descartáveis mais recentes.
Adoro esta explicação. É bonita. Mas hoje desconfio que valha apenas para os velhos e bons guarda-chuvas do escritor argentino. Descobrimos o paradeiro das canetas e isqueiros. Na verdade, eles não vão para os anéis de Saturno. Seu destino é mais prosaico. Acabam indo é para os mares, os rios e os oceanos.
É triste esta constatação, mas é verdadeira. Tudo que não vai para os aterros sanitários ou para a reciclagem, tudo que não é encaminhado corretamente para o lixo, acaba no mar. Ou quase. Os itens feitos de plástico, como as canetas Bic, os canudos e os isqueiros, duram décadas, séculos talvez, ninguém sabe quanto ao certo. São comidos por peixes e aves e tartarugas. Entram na cadeia alimentar do homem, também.
As chuvas levam o lixo não recolhido para os rios, e esses desaguam nos oceanos, como se sabe. O resultado é uma poluição aquática medonha. Há uma gigantesca mancha de plástico no Pacífico –duas vezes o tamanho do estado do Texas nos Estados Unidos. Pior: não tem, pelo menos com a tecnologia de hoje, como limpá-la. Quem já viu as fotos submarinas sabe: é dantesco. Talvez o inferno seja ali mesmo em meio a bilhões de sacolas, tampas de privadas, canudos e copos.
No oceano Atlântico ainda não se descobriu nada parecida. Mas nossa repórter, Liana John, foi de veleiro até o meio do Atlântico com um grupo de pesquisadores para verificar in loco. Buscou a convergência das correntes. São elas que juntam o lixo no Pacífico. Não descobriram nenhuma grande mancha, mas mesmo a 1000 quilômetros da terra mais próxima encontraram pedaços de plástico. Ou seja, no meio do oceano. Especula-se que, hoje, não há nenhuma áreazinha do oceano em que esse produto, tão útil e tão barato, ainda não tenha chegado. Existe uma praia no Havaí em que 90% dos grãos de areia são feitos de plástico.
É por isso que é tão importante reduzir com determinação o uso desse material. A maneira mais eficiente e fácil de fazê-lo é diminuir o consumo de saquinhos plásticos, como os que são distribuídos nos supermercados. O mundo consome de 500 bilhões a um trilhão de saquinhos plásticos por ano, ou seja, no mínimo, no mínimo, um milhão… por minuto. Há controvérsias, mas os estudos dizem que de 0,5% (uma em 200) a 3,0% (6 em 200) acabam no mar, onde são consumidos por animais, sobretudo tartarugas, meio cegas, que os confundem com águas vivas.
De qualquer forma, se continuarmos neste nível de consumo, vamos estrangular os oceanos com poluição plástica. Não há dúvida. É um problema tão grave quanto o aquecimento global, ou quase. Sem oceanos não haverá vida na Terra. E, ao que tudo indica, é bem mais fácil reduzir o consumo de plástico a baixar as emissões de gases de efeito estufa a níveis adequados. Entre todas as frentes da batalha ambiental, esta é a mais fácil. Foi isto que me incentivou a adotar sacolas de pano ao começar a me aprofundar no ambientalismo há cinco ou seis anos. Se não conseguimos sequer viver sem sacolas plásticas então nada será possível foi meu raciocínio na época. Continuo a acreditar nisso. Hoje prefiro fazer supermercado com mochilas e sacolas de pano. Carrego-as no carro. Tenho no trabalho. Na pasta. Na cozinha da minha casa. São mais luxuosas e divertidas de se carregar do que as sacolas vagabundas de plástico. Mais fáceis também. É como ir à feira.
Ao sair do supermercado, sem sacolas plásticas, em uma noite estrelada às vezes olho pra cima, tentando achar os anéis de Saturno. Imagino que o povo de lá um dia vai nos agradecer. Nossos tartarugas e peixes e praias, também.
Ano da Publicação: | 2012 |
Fonte: | http://viajeaqui.abril.com.br/materias/sacolas-plasticas-nos-aneis-de-saturno |
Link/URL: | http://viajeaqui.abril.com.br/materias/sacolas-plasticas-nos-aneis-de-saturno |
Autor: | Rodrigo Imbelloni |
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