Dizem que a expressão "meio-fio" decorreu de evolução no descarte de lixo durante a Idade Média. Antes, o lixo era simplesmente atirado ao meio da rua, onde existia uma vala para que a água da chuva o removesse para as partes mais baixas da cidade. Foi democrático porque o mau cheiro ficava eqüidistante dos moradores, até que, introduzida a coleta manual do lixo, o fio central das ruas acabou desmembrado em dois meios-fios junto às residências. A veracidade desta estória é altamente duvidosa, mas demonstra muito bem uma preocupação antiga.
Existe farta literatura técnica sobre o assunto tratamento do lixo, mas o excelente conteúdo das notas de aulas ministradas pela colega engenheira sanitarista Maeli Estrela Borges, vice-presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, permite a abordagem de conceitos essenciais, de grande utilidade a todos, inclusive ao articulista. Afinal, o problema não é só dos especialistas.
Tecnicamente lixo é qualquer resíduo decorrente da atividade humana, cujo descarte pode ter tratamento ou não. Os resíduos podem ser gasosos, líquidos ou sólidos, mas somente os últimos estão abordados.
O lixo não tratado, simplesmente depositado nos lixões, tem um enorme potencial de contaminação do solo, da água e do ar, principalmente o de origem hospitalar ou industrial, e, por isso, estas instalações têm sofrido crescentes restrições e condicionantes para o licenciamento ambiental.
Atualmente, as modernas técnicas de tratamento do lixo em aterros sanitários amenizam os seus efeitos nocivos através de processos de incineração, desinfecção ou esterilização, enquanto o desenvolvimento de novas tecnologias busca a sua exploração rentável através da transformação da fração orgânica (adubos), da reciclagem industrial (materiais) ou do aproveitamento energético (biogases).
Quanto à natureza, os resíduos sólidos são divididos em dois grandes grupos, os biodegradáveis e os que não se decompõem biologicamente. Os não degradáveis ou considerados recicláveis têm a vantagem de afetar menos os processos de destinação sanitária, mas pelo seu efeito cumulativo causam transtornos no acondicionamento e reduzem vida útil nos aterros. A coleta seletiva do lixo doméstico, ao facilitar a reciclagem, reduz o seu acúmulo e poluição, além de agregar alguma renda ao processo.
Mas o lixo que sofre decomposição biológica apresenta maior potencial de aproveitamento porque é produzido em maior volume (principalmente os orgânicos do lixo doméstico) e, nas grandes cidades, já apresenta escala para o processamento industrial sustentável. Este processo tem como agentes bactérias e fungos que são microorganismos que se alimentam de plantas e animais em decomposição e ocorre em presença de oxigênio (aeróbio) ou não (anaeróbio). A decomposição biológica gera, entre outros subprodutos, um líquido negro e malcheiroso chamado chorume, poluidor do solo e das águas quando não tratado, e ainda com o agravante de transportar os metais pesados que, eventualmente, estejam presentes no lixo. No Brasil, o chorume, neutralizado parcialmente com tratamento prévio, sobrecarrega as estações de tratamento de esgoto onde costuma ser lançado.
De maneira muito simplificada, a decomposição aeróbia, pela presença de oxigênio, ocorre através de reações químicas de oxidação, exotérmicas (produzem calor), atingindo temperaturas de até 70°C que decompõem proteínas e matam quase todos os microrganismos patogênicos do lixo. Mas, como 2/3 do lixo orgânico é composto de carbono, a oxidação produz grande volume de CO2 (dióxido de carbono), que é um gás não aproveitável e que contribui para o efeito estufa. No estágio tecnológico e econômico atual, seria, ainda assim, o método desejável pelos menores efeitos colaterais (produção de CO2) para o aquecimento global.
A decomposição anaeróbia, pela ausência de oxigênio, é mais lenta e ocorre em temperaturas mais baixas. Quanto à produção de biogases, por serem reduzidas as reações de oxidação, o material orgânico do lixo gera grande quantidade de metano (CH4), muito mais danoso à camada de ozônio e, portanto, ainda mais poluidor que o CO2. A solução ideal que já começa a ser adotada em cidades como São Paulo e Curitiba é consumi-lo na geração de energia (excelente combustível), agregando valor econômico ao tratamento e, ao mesmo tempo, evitando que comprometa a camada de ozônio.
Mesmo sem maiores considerações técnicas, a população em geral pode constatar que existem milhares de especialistas pesquisando, estudando e trabalhando para oferecer-lhe o melhor possível. Mas o equacionamento do problema depende mais do comportamento de todos do que da Engenharia Sanitária e Ambiental. As três ações para o controle do lixo (3Rs) que as organizações ambientais defendem mostram claramente o papel de cada um na questão do lixo : reduzir, reutilizar e reciclar.
Flávio Carvalho é técnico em eletrônica, engenheiro eletricista, pós-graduado em engenharia econômica e tem cursos de especialização nos Estados Unidos, Canadá e Japão. Especilizou-se em tecnologia e gestão de telecomunicações, exercendo atividades de manutenção, operação, projeto e construção de redes, desenvolvimento tecnológico e industrial, coordenação de desenvolvimento de sistemas de informação e operação, magistério e coordenação de cursos de nível médio, graduação e pós-graduação.
Ano da Publicação: | 2010 |
Fonte: | http://wwo.uai.com.br/UAI/html/sessao_11/2008/02/13/em_noticia_interna,id_sessao=11&id_noticia=50117/em_noticia_interna.shtml |
Autor: | Rodrigo Imbelloni |
Email do Autor: | rodrigo@web-resol.org |