Por Luís Peazê
A maior ameaça dos novos tempos não é necessariamente a falta de água, de petróleo ou de comida, porque para essas ameaças o homem não pára de procurar alternativas e encontrar soluções. A maior ameaça vem do berço da nossa civilização. É o lixo. Que, genericamente, poderia ser tratado por lixo marinho. Pois, já não se disse que tudo acaba no mar?
Um relatório do UNEP/PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, produzido em 2005, sobre o problema do lixo marinho nos Mares do Norte, Europa, África, Australásia e Estados Unidos, começa afirmando que o lixo marinho impõe uma enorme e crescente ameaça ao meio ambiente marinho e costeiro. Ao final de aproximadamente 50 páginas, depois de relatar as atividades, acordos, convenções, regulamentações, diretrizes e ações de agências da ONU, governos, comissões internacionais e de um bom número de organizações da sociedade civil organizada, nas últimas duas décadas, conclui que o problema do lixo marinho persiste, grave, crescente e altamente ameaçador ao meio ambiente.
No Brasil não há estudo similar, até porque naquele relatório da UNEP/PNUMA são mencionados estudos e pesquisas feitas individualmente por entidades em vários países, mas, segundo o relatório, não seriam válidas, porque não utilizaram metodologia padronizada, nem foram feitas num período longo de observação, nem em uma área de amostragem representativa. Mas basta um passeio em qualquer calçadão de qualquer uma das milhares de cidades litorâneas para se constatar que, no Brasil, o lixo marinho faz parte da nossa paisagem do dia-a-dia.
O tamanho do problema
O lixo marinho é encontrado em todas as áreas dos mares e oceanos do mundo – não somente em regiões densamente povoadas, mas também em lugares remotos, bem longe de qualquer fonte óbvia de lixo; viaja longas distâncias pelas correntes oceânicas e com os ventos, sendo encontrado em todos os lugares no meio ambiente marinho e costeiro, dos pólos ao equador, dos litorais continentais a minúsculas e remotas ilhas; origina-se de muitas fontes e causa tremendos impactos ambientais, econômicos, na segurança, na saúde e culturais; a lenta taxa de degradação da maioria dos itens de lixo marinho, principalmente plásticos, e a sua contínua e crescente produção, estão ganhando da disposição do homem de limpar o planeta.
São estimadas que em torno de 6.4 milhões de toneladas de lixo marinho são descartadas nos oceanos e mares a cada ano. Cerca de 8 milhões de itens de lixo marinho são despejados nos oceanos e mares todos os dias, aproximadamente 5 milhões dos quais (resíduos sólidos) são jogados de navios. Mais de 13.000 pedaços de lixo plástico estão, atualmente, flutuando em cada quilômetro quadrado de oceano. A Fundação de Pesquisa Marinha Algalita (AMRF), por exemplo, afirma em um relatório de pesquisa que no giro central do Oceano Pacífico, ela encontrou, em 2002, 6 quilos de plástico para cada quilo de plâncton próximo da superfície.
A deficiência na implementação e execução de padrões e regulamentações internacionais, regionais e nacionais (leia-se prática eficiente de gestão do lixo) que poderiam melhorar a situação, combinada com a falta de conscientização entre os principais interessados e do público em geral são as maiores razões pelas quais o problema do lixo marinho não só permanesce, mas continua crescendo mundialmente.
O lixo marinho é a maior preocupação de saúde pública e ambiental em muitos países, que geralmente não dispõem de um sistema apropriado de gestão de resíduos, desde a sua fonte até o seu descarte ou processamento final.
A cara do problema e os maiores culpado
O lixo marinho é um problema ambiental, econômico, de saúde e de estética. Causa danos e morte à fauna. Ameaça a diversidade biológica marinha e costeira em áreas costeiras produtivas. Pedaços de lixo podem transportar espécies invasoras entre os mares. Resíduos hospitalares e sanitários constituem um perigo à saúde e podem prejudicar seriamente as pessoas. O lixo marinho causa danos que implicam em grandes custos econômicos e perdas a pessoas, a propriedades e a meios de subsistência, assim como impõem riscos à saúde e até a vidas.
Sem pestanejar pode-se afirmar que o melhor representante do lixo marinho é o plástico. Basta olhar nas praias de qualquer parte do mundo. Todas as pesquisas, válidas ou não, segundo o UNEP/PNUMA, apontam os plásticos como os mais perversos itens de lixo marinho. Porque são os mais persistentes; porque flutuam, ficam na coluna d´água e no leito dos mares; porque ameaçam a fauna de variadas formas, pela ingestão e enredamento; porque, mesmo ao se fotodegradarem, continuam sendo plásticos, e sujeitos a ingestão pelos menores organismos marinhos. Mas isso não quer dizer que os demais itens de lixo marinho sejam menos ameaçadores. Lixo é lixo.
Quem são os culpados por colocarem essas ameaças dentro dos mares? Por ordem: os navios da marinha mercante, pelo descarte de lixo marinho no mar; as embarcações de pesca, mais especificamente os apetrechos de pesca perdidos ou abandonados nos mares, e também pelo descarte de lixo no mar; por fim, o descarte de lixo nas praias e por embarcações de recreio. Mas há uma outra forma tão potencialmente ameaçadora quanto as apontadas acima: suas fontes estão baseadas em terra, dos dejetos irregulares e criminosos, de indústrias, dos lixões próximos das zonas costeiras, os esgotos sem tratamento, o lixo que desce pelo rios e chega ao mar, e a falta de educação (problema cultural) das pessoas em geral. As pesquisas fazem essa última afirmação de modo ponderado, acusando a necessidade de conscientização, mas a realidade é que somos todos ignorantes com relação ao problema do lixo. Não reconhecemos a gravidade do problema, para nós mesmos. Sem falar de outras ameaças ao meio ambiente marinho, tais como os acidentes de derramamento de óleo de navios e plataformas de petróleo.
Por que é tão difícil resolver
A solução vista pelo ângulo prático é simples. Vista pela lente da realidade é inatingível, a curto prazo. De qualquer ângulo o primeiro passo seria o ímpeto político; o segundo seria o tratamento adequado do lixo, em depósitos projetados ecologicamente corretos, incluindo aí processos de seleção, reciclagem, reuso e transformação de itens de lixo em energia, conforme o caso – e conformidade com as leis federais, estaduais e municipais com relação ao lixo (leis não faltam); o terceiro passo, paralelo ao segundo, seria a implantação de estações receptoras de lixo dos navios e barcos de pesca nos portos (assim como mini estações em marinas) – no Brasil não há um só caso exemplar.
Por fim, o mais difícil: a mudança de comportamento do público em geral. Essa é uma batalha potencialmente paradoxal. Como fazer com que as pessoas produzam menos lixo, através da escolha inteligente de consumo? Como internalizar nas pessoas a noção de que o lixo não existirá se ela não o produzir, logo não poderá causar ameaça ao meio ambiente? Como fazer com que as pessoas consumam menos, ou descartem seus resíduos de modo ambientalmente correto? Só se a cadeia de produção inteiramente estiver engajada, desde a produção, através do marketing de produtos e de suas propagandas com responsabilidade social. Mas aí fica faltando a participação da municipalidade, com a gestão adequada do lixo. Sem falar que as novidades de embalagens pseudo ambientalmente amigáveis, isto é, oferecidas com o valor agregado da biodegradação, podem enviar uma mensagem equivocada ao público, de que ele pode consumir sem culpa, porque o meio ambiente irá absorver. Neste caso, aquela linha divisória entre o milenar comportamento nocivo ao meio ambiente e a prática inteligente nunca será traçada.
O lixo marinho e todo o lixo do mundo, de um modo geral, é como uma onda gigante que desaba gradualmente em pingos sobre a cabeça de todos nós, todos os dias, enquanto disfarçamos que ela não existe.
Dado que o lixo marinho tem origens baseadas no mar e em terra, medidas para reduzi-lo ou evitá-lo devem ser tomadas em um número grande de lugares, dentro de um número grande de atividades, num vasto raio de alcance de setores sociais, e por muitas pessoas, em muitas situações. Por isso é tão difícil resolver o problema.
Existem regulamentações (cito a MARPOL 73/78 e a Convenção de Londres, ratificadas por centenas de países, incluindo o Brasil) internacionais, que exigem o descarte adequado de lixo de navios em estações receptoras nos portos, e estabelecem com clareza a importância da prática de gestão de resíduos tanto para fontes baseadas no mar quanto em terra. Mas elas não têm o poder, a estrutura nem a função de polícia, e, para piorar, elas mesmas prevêem que suas regulamentações, quanto à prática de descarte de lixo de navios, só podem entrar em vigor, a ponto de provocar sanções pela não conformidade, se as estações receptoras existirem. Uma responsabilidade dos municípios e portos. Um paradoxo, criado pelos próprios criadores das regulamentações, pelos grupos de pressão e pelas fraquezas políticas (a nível federal, estadual e municipal). Leia-se indústria do transporte marítimo e da pesca, autoridades portuárias e os chamados “stake holders”.
Ano da Publicação: | 2010 |
Fonte: | http://www.marica.com.br/2006/1601elisiolixonomar.htm |
Autor: | Rodrigo Imbelloni |
Email do Autor: | rodrigo@web-resol.org |