Por Por Adriana M. M. Pires *
A parcela urbana da população brasileira cresceu de 36% para 75% entre as décadas de 50 e 90. A urbanização ocorreu de maneira desorganizada, e regras de protecção ao meio ambiente e ao cidadão não foram respeitadas. Com isso, as cidades formaram-se sem infra-estrutura e disponibilidade de serviços urbanos capazes de comportar a população. Portanto, os grandes centros urbanos concentram também os maiores problemas ambientais, cuja complexidade exige tratamento especial e interdisciplinar. A degradação do meio ambiente não é um problema exclusivamente brasileiro, vários países passaram por problemas semelhantes e buscaram soluções que garantiram a qualidade de vida dos cidadãos sem prejudicar o desenvolvimento económico. O Brasil começa a despertar para a necessidade de conservação do meio ambiente, implementando instrumentos legais para resolvê-los e incentivando actividades que resultem em ganhos ambientais. A Embrapa, cuja missão é “viabilizar soluções para o desenvolvimento sustentável do espaço rural, com foco no agronegócio, por meio da geração, adaptação e transferência de conhecimentos e tecnologias, em benefício dos diversos segmentos da sociedade brasileira” tem participado altivamente desse processo, utilizando seus recursos humanos e conhecimentos para subsidiar e promover políticas públicas relacionadas à conservação do meio ambiente e à agricultura brasileira.
* Pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente
adriana@cnpma.embrapa.br
A gestão de resíduos sólidos urbanos ainda é bastante precária no País. O documento Cidades Sustentáveis da Agenda 21 Brasileira cita que em 1989, o serviço de colecta de lixo estava disponível para 78,4% da população urbana, sendo que o uso agrícola representava 3% do volume de lixo colectado no país; as usinas municipais de reciclagem faziam a triagem de 2,2% do colectado; a incineração era de apenas 0,2% do total, ocorrendo apenas em alguns estados. Do total dos resíduos sólidos colectados, apenas 28% tinham destinação adequada. Os 72% restantes eram dispostos em lixões a céu aberto ou jogados em vales e rios. Em 1993, estimou-se que do total de lixo produzido no País, 59% era disposto em lixões a céu aberto (simples descarga sobre o solo), 13% em aterros controlados (superfície do resíduo é coberta com material inerte), 25% em aterros sanitários (além da cobertura do resíduo com material inerte, apresenta impermeabilização da base e sistemas de tratamento de chorume e gases), 1% era lançado directamente em mananciais e 2% eram usados na agricultura ou incinerados. Esse quadro representa grande risco em termos de garantia da conservação do meio ambiente e manutenção da saúde pública, podendo resultar em (i) contaminação da população por patógenos humanos, (ii) acúmulo de metais pesados e compostos orgânicos persistentes no solo, (iii) entrada desses contaminantes na cadeia alimentar e (iv) lixiviação e consequente contaminação do lençol freático e mananciais por nitrato e metais pesados.
Portanto, a problemática da disposição dos resíduos sólidos urbanos não é preocupante apenas sob o ponto de vista ambiental, mas também social e económico. Segundo a Agenda 21 Global, cerca de 5,2 milhões de pessoas, entre elas 4 milhões de crianças menores de cinco anos, morrem a cada ano devido a enfermidades relacionadas com o lixo. Os resultados para a saúde são especialmente graves no caso da população urbana pobre. Uma das soluções apontadas pela Agenda é o incentivo às políticas de gerenciamento de resíduos sólidos, com ênfase em colecta selectiva e na compostagem, que é o processo de obtenção do Composto de Lixo Urbano – CLU. Consequentemente, a Agenda promove a reciclagem de matéria orgânica e nutrientes, por meio da utilização do CLU em solos agrícolas, mediante a garantia de não gerar impactos negativos ao meio ambiente e à saúde pública.
Nesse contexto, a utilização agrícola do CLU representa uma alternativa de disposição muito interessante, pois utiliza o solo como um meio favorável ao consumo da carga orgânica potencialmente poluidora, apresenta os menores custos, pode trazer os benefícios inerentes à incorporação de matéria orgânica ao solo, promove a reciclagem de nutrientes, além de reduzir o risco de contaminação com patógenos humanos. A eficácia da utilização de CLU como fertilizante orgânico é conhecida e as características desejáveis dessas para que se tenha boa eficiência agronómica já foram estudadas e determinadas.
Por outro lado, será que os problemas de contaminação que ocorrem quando a disposição do lixo é feita de forma inadequada também não ocorrerão quando o lixo compostado é aplicado aos solos agrícolas?
Os riscos devido ao uso agrícola do CLU estão relacionados, principalmente, com compostos de lixo cuja matéria-prima é de má qualidade e aos processos de compostagem mal conduzidos. Nesse sentido, uma atenção especial deve ser dada caso a colecta de lixo não seja selectiva, pois os inorgânicos ou inertes (pedaços de vidros, plásticos, metais ferrosos, borracha, entre outros) devem ser devidamente separados, evitando-se a sua entrada como matéria-prima do composto orgânico. Os inertes são conhecidas fontes de metais pesados, geralmente apresentam baixa degradabilidade e diminuem a operacionalidade do uso agrícola do CLU. Em muitas usinas, essa separação é feita por meio de captação manual e/ou peneiração, sendo muito precária. Como resultado, pode-se obter um composto de baixa qualidade, existindo relatos de que ao manusear o composto alguns produtores chegaram a cortar a mão, tal a quantidade de vidro moído presente no resíduo.
Outro problema são os metais pesados, que uma vez adicionados ao solo, podem entrar na cadeia alimentar ou acumular-se no próprio solo, no ar, nas águas superficiais, nos sedimentos e nas águas subterrâneas, além de poderem apresentar efeitos fitotóxicos. A concentração de metais pesados nos compostos de lixo pode ser variável em função do material de origem. Por exemplo, lixos que contenham lâmpadas, pilhas e baterias tendem a apresentar elevados teores de metais pesados.
Um dos problemas mais sérios, uma vez que o CLU geralmente é utilizado no cultivo de hortaliças, é a presença de patógenos humanos no composto. Se o processo de compostagem for mal conduzido e/ou forem utilizados lixos oriundos de colecta não-selectiva ou de uma separação ineficiente da fracção orgânica nas usinas, o composto obtido pode apresentar qualidade inadequada para a aplicação aos solos agrícolas. Um processo de compostagem bem conduzido pode reduzir a concentração de patógenos do CLU a níveis seguros, devido à competição entre as espécies microbianas, a fautores antibióticos e, principalmente, à manutenção de alta temperatura por determinado tempo.
Portanto, para garantir um uso adequado do CLU na agricultura, é recomendável realizar o monitoramento da qualidade do composto, que reflecte a qualidade da matéria-prima e do processo de compostagem utilizados. Nesse sentido, a regulamentação da aplicação de CLU ao solo, por meio do estabelecimento de padrões de qualidade do composto é fundamental para evitar danos ao ambiente. Diversos países, como Alemanha, França, Austrália, Holanda, Canadá, entre outros, possuem normas técnicas específicas regulamentando a qualidade do produto, bem como a aplicação do resíduo de maneira adequada.
No Brasil, existem regulamentações para licenciamento de usinas de compostagem como, por exemplo, o Decreto Nº 47.400, de 4 de Dezembro de 2002 do Estado de São Paulo que regulamenta dispositivos da Lei Estadual n° 9.509, de 20 de Março de 1997. Com abrangência nacional, pode-se destacar a Instrução Normativa Nº15, de 24 Dezembro de 2004 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) em resposta ao Decreto n0 4954, que indica normas para o registro de fertilizantes orgânicos, inclusive composto de lixo. Outra Instrução Normativa do MAPA, que definirá os limites de contaminantes que podem ser adicionados via composto de lixo, deverá ser publicada em 2006. Além disso, esforços têm sido direccionados para a elaboração de uma norma brasileira, específica para o uso agrícola de composto de lixo. Dessa maneira, espera-se melhorar a qualidade dos compostos de lixo utilizados no Brasil, resguardando o nosso ambiente e promovendo a reciclagem.
Visto o exposto, pode-se concluir que o limiar entre benéfico e prejudicial no que diz respeito ao uso agrícola de composto de lixo urbano está relacionado com a qualidade do composto produzido e a maneira como é utilizado. A natureza encarrega-se de reciclar aquilo que produziu e não foi consumido. Cabe a nós, que constantemente estamos a alterar os ciclos naturais, facilitar e garantir a continuidade desse processo, definindo qual será o ambiente que deixaremos para as próximas gerações.
Ano da Publicação: | 2010 |
Fonte: | http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=1922&op=all |
Autor: | Rodrigo Imbelloni |
Email do Autor: | rodrigo@web-resol.org |