Vivendo atrás de lixo

O repórter do Diário Deni Zolin encarou o desafio de contar como é o cotidiano de um catador de lixo. Por uma manhã, ele ajudou uma das mais antigas catadoras da cidade, Maria Luiza Ferreira da Silva, 63 anos, que está na profissão há 33 anos. Das 8h às 11h30min, Deni teve de colocar a mão na massa, puxando o carrinho, catando de lixeira em lixeira, abrindo sacolas em busca de algo com algum valor. Dona Maria ensinou ao repórter o que sabia e contou outros detalhes da vida de um catador. Veja o que o repórter viu e sentiu ao encarar a experiência de catar o lixo dos outros.



Os preparativos



"No dia de colocar a mão na massa, como estava frio, usei um tênis velho. Mas ao encontrar dona Maria Luiza, vi que meu ‘‘disfarce‘‘ tinha uma falha. Maria usava um chinelo velho que mostrava os pés rachados das agruras de seu cotidiano".



Conhecendo o lixo



"Sempre achei que sabia o que era lixo seco, mas sob a ótica de quem só coloca lixo nas sacolas para se livrar dele. Neste dia, percebi o que realmente tem valor para um catador. Dona Maria me ensinou. Ao abrir as lixeiras, me deparei com mau-cheiro e lixo seco lambuzado com comida. Sem luvas, como dona Maria, abria as sacolas e fazia a inspeção. No início, perguntava: ‘‘E isso, vale a pena pegar?‘‘. Catador não pega papel higiênico e isopor. Ninguém compra. Já papel e plástico coloridos valem entre R$ 0,03 a R$ 0,10 o quilo. Catador faz festa com garrafa PET (até R$ 0,85 o quilo), lata de refri (de R$ 2 a R$ 2,50), papelão e papel branco. Ela conta que hoje é raro encontrar latinhas e PETs, pois até empresas e condomínios passaram a juntar para vender".



Desperdício



"Apesar de revirar sacolas, catador que garimpa lixeiras não lambuza as mãos. Dona Maria não se importa em ver lixo seco no meio da comida. Ela não tem nojo disso. Também não tive. Mas o cheiro ficou impregnado. Me dei conta de que separar o lixo em casa ajudaria os catadores e evitaria desperdício. No meio da comida, muito papel fica molhado e não podem ser aproveitado".



33 anos de profissão



"No início da manhã, com o carro vazio, ficava fácil trabalhar e deu para conversarmos sobre a vida de dona Maria. Bem falante, ela contou que nasceu em Dona Francisca e, depois, veio a Santa Maria, onde foi doméstica. Há 33 anos, achou melhor ser catadora e conseguia dois salários mínimos mensais. Hoje, com a concorrência, tira só meio salário (R$ 150). Eu e Maria nos revezávamos para levar o carrinho. Saindo da Vila Carolina, subimos a Visconde de Pelotas, passamos pela Presidente, Acampamento e Rio Branco, até chegarmos de volta à Carolina. À medida que o carrinho enchia, os braços cansavam. Imaginei quanto peso dona Maria já carregou em 33 anos".



Do lixo para a boca



"Na rua, encontramos vários catadores. Um deles estava com a filha de 10 anos, que nos acompanhou por um tempo. Ela achou quatro chocolates, barras de cereais e um achocolatado, ficou faceira e me ofereceu alguns. Envergonhado, até peguei, mas disse para ela ficar com aquilo. Logo depois, vi que a criança devorou tudo, apesar das mãos sujas. Foi o que mais me deixou triste. Depois, nem me impressionei ao ver Maria pegar o pão embolorado para dar ao cavalo, o resto de xis para o cachorro, alguns legumes para ela mesma e um resto de arroz para requentar".



Sorrisos e preconceito



"Nessa jornada, muita gente nos olhava com desconfiança, mas notei que a maioria das pessoas ignora os catadores ou desvia deles. Passei por uma conhecida, ela me olhou rapidamente e não me reconheceu. Dona Maria conta que não sente preconceito, mas há exceções de pessoas que xingam os catadores. Em todo o trajeto, duas mulheres nos pararam para nos oferecer jornais e PETs. O que mais me marcou foi o sorriso de uma senhora que me entregou jornais".



Roubar é ridículo



"

Ano da Publicação: 2005
Fonte: www.reciclaveis.com.br
Autor: Rodrigo Imbelloni
Email do Autor: rodrigo@web-resol.org

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